Depressão: “Vou ficar assim para sempre?”

Se o pai e a mãe sofrem de depressão, se há história familiar da doença, a probabilidade de vir a sofrer da mesma é mais elevada ainda que não seja uma certeza.

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"A depressão é uma doença multifactorial com diferentes causas possíveis e factores de risco de diversa natureza." Wladislaw Peljuchno/Unsplash

Para a população em geral o termo depressão é, por vezes, usado como sinónimo de tristeza ou para referir-se a uma única condição clínica. Para a psiquiatria, a especialidade médica dedicada ao tratamento desta patologia, existem vários tipos de depressão como a depressão unipolar (a que habitualmente chamamos apenas depressão), a depressão bipolar, a sazonal, psicótica, endógena ou reactiva, mediante várias classificações.

Em gabinete, perante o diagnóstico, uma pergunta frequente dos doentes é: “Vou ficar assim para sempre?” A resposta é variável uma vez que nem todas as depressões são crónicas. Existem depressões agudas cujo tratamento tem como objectivo a “cura”, isto é, existe a perspectiva de remissão completa (desaparecimento da totalidade dos sintomas).

Várias pessoas me procuraram em fases mais delicadas das suas vidas porque estavam a divorciar-se, depararam-se com uma infidelidade; outras e independente idade enviuvaram; muitas porque se sentiam sobrecarregadas e infelizes com os trabalhos ou estavam desempregadas. Os motivos eram pessoais, cada um com a sua história de vida, mas em comum tinham um conjunto de sintomas que configuravam o diagnóstico de depressão. Foram episódios pontuais, agudos, que quando devidamente tratados determinam com alta da consulta.

Nalguns casos, no entanto, existe necessidade de um seguimento psiquiátrico mais continuado. E sabe-se que à medida que se somam mais depressões ou a doença não é tratada, aumenta a probabilidade de voltar a sofrer de um novo episódio.

A depressão é uma doença multifactorial com diferentes causas possíveis e factores de risco de diversa natureza. A genética desempenha um papel importante. Não só determina uma susceptibilidade individual como pode determinar hereditariedade. Existem famílias com história de depressão em vários elementos e ao longo de várias gerações, sendo que o componente genético pode explicar 40% de susceptibilidade de desenvolver a doença. Se o pai e a mãe sofrem de depressão, se há história familiar da doença, a probabilidade de vir a sofrer da mesma é mais elevada ainda que não seja uma certeza. Muitos outros aspectos vão condicionar o desenvolvimento de sintomas.

Relativamente aos chamados factores sociodemográficos (sexo, idade, estado civil), as mulheres têm maior risco que os homens, sendo o período pós-parto uma altura particularmente crítica. Já os suicídios consumados são mais frequentes no sexo masculino. Pessoas divorciadas e separadas são mais vulneráveis.

Alguns aspectos psicossociais são factores de risco identificados, nomeadamente tipos de personalidades depressivas, ausência de suporte social e familiar como pessoas sozinhas, sem relações sociais e com condições económicas desfavoráveis.

Os factores biológicos, genéticos e sociais mencionados, são moldados por acontecimentos de vida traumáticos e stressantes que aumentam a predisposição para a depressão como são os lutos (a perda precoce de um dos pais na infância, a viuvez, a morte de um filho).

A incidência desta patologia eleva-se se existe outra doença mental como uma perturbação de ansiedade, perturbação de pânico e dependência de álcool ou outras drogas. Também são factores de risco sofrer-se de doenças médicas cardiovasculares como a diabetes e a hipertensão arterial, endocrinológicas com o hipotiroidismo, neurológicas, doenças auto-imunes e reumatológicas.

A ideia generalizada que não deprimir depende da vontade e da “força” do próprio é uma concepção perigosa que importa rectificar. À semelhança de doenças não mentais, também a depressão é explicada medicamente por alterações bioquímicas e estruturais cerebrais.

A doença é causada por modificações no sistema nervoso central que provocam um conjunto de sintomas e queixas que caracterizam os episódios depressivos, como o humor depressivo que não é sinónimo de tristeza, a insónia, a angústia, a diminuição do prazer, a redução da energia, a exaustão física e mental, em casos graves, as ideias de morte.

Existem três neurotransmissores — serotonina, noradrenalina e dopamina —, que parecem estar envolvidos na depressão. Os antidepressivos aumentam a disponibilidade dessas substâncias produzidas pelos neurónios e responsáveis por transmitir informação entre as células cerebrais e consequentemente tratam os sintomas depressivos.

O estigma da doença mental conduz muitos deprimidos a não procurarem ajuda médica, a adiarem a ida a uma consulta ou a recusarem fazer tratamento. Estes aspectos continuam a contribuir para o subdiagnóstico, para o tratamento não atempado ou para a ausência total de tratamento, com agravamento do prognóstico.

Aborda-se pouco a perspectiva do tratamento por parte do doente. Mas é necessário ter consciência que tratar a depressão implica por parte do próprio algum investimento de tempo, mentalização e persistência. Só é tratado quem reconhece que precisa, aceita e confia na ajuda proposta. É fundamental que o doente se predisponha a cumprir um tratamento e a manter o seguimento nas consultas, porque tal como a depressão não se instala em minutos, também não desaparece em 24 horas.

A ida ao médico deve ser desmistificada. No caso da depressão, psiquiatria não é sinónimo de medicação. O tratamento da doença não passa obrigatoriamente por medicamentos. Nas depressões leves, menos graves, pode ser suficiente a intervenção em consultas ou uma psicoterapia. Já nos casos moderados a graves existe indicação para terapia farmacológica.

O risco de não tratar uma depressão pode ter consequências, da qual a mais grave e irreversível é a morte por suicídio. A depressão tem implicações pervasivas, tende a invadir e atingir os vários aspectos da nossa vida. Diminui a qualidade de vida e as pessoas podem viver deprimidas a vida toda, mas vivem pior, sem gosto, sem prazer e sem vontade. Tem impacto no rendimento e qualidade do trabalho e na vida social, familiar e/ou conjugal, pelo que os doentes são mais frequentemente despedidos, separados e divorciados, situações que por si só perpetuam e cronificam a doença.

Na época actual em que vivemos, a covid-19 não deve ser um motivo para o adiamento de consulta ou de cancelamento da ida ao psiquiatra. A psiquiatria é uma especialidade de catástrofe, isto é, perante situações de crise como financeiras, catástrofes naturais, conflitos armados e guerras existe um aumento de patologia mental na população em geral. Consequentemente é expectável que exista um aumento de procura e de necessidade de intervenção psiquiátrica e de saúde mental.

Na minha opinião, ir a uma consulta é mais seguro que a maioria das actividades fora de casa da vida quotidiana. As unidades de saúde não só cumprem as normas de segurança, como são locais higienizados e que em muitos casos efectuam controlo de temperatura aos doentes e funcionários e fornecem máscaras cirúrgicas.

Outra vantagem epidemiológica nestes tempos de pandemia é a possibilidade de telepsiquiatria, reduzindo o número de consultas presenciais, uma vez que é possível nesta área das neurociências efectuar vídeo consultas ou teleconsultas mantendo uma boa prática clínica médico-psiquiátrica.

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