Defesa de Hélder Bataglia nega “delação premiada”

Nas alegações feitas esta sexta-feira na instrução da Operação Marquês, o advogado do ex-líder da Escom diz que Portugal não é competente para julgar oito dos dez crimes de que o seu cliente está acusado.

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LUSA/MIGUEL A. LOPES

Nas alegações que fez esta sexta-feira perante o juiz Ivo Rosa, que preside à instrução do processo da Operação Marquês, Rui Patrício, advogado do ex-líder da Escom, Hélder Bataglianão negou de forma declarada que o seu cliente tivesse beneficiado de “delação premiada”, como acusou Paula Lourenço, advogada de Carlos Santos Silva, também arguido. Apenas o fez já à saída do Tribunal: “O que está no processo não é delação premiada.”

Durante as alegações finais, Rui Patrício foi-se referindo ao tema, mas nunca de forma tão clara. “Não vou dizer se a doutora Paula Lourenço está certa ou não, mas não posso eu passar por burro. Os factos estão na acusação. Não é verdade que haja contradição entre as declarações de 21 de Abril de 2016 e 5 de Janeiro de 2017.” Rui Patrício referia-se às respostas que o seu cliente deu a uma carta rogatória enviada para Angola, uma vez que é lá que tem a sua residência, e depois às declarações que acabou por prestar em Lisboa.

Segundo Rui Patrício a carta rogatória tinha 49 perguntas e Bataglia respondeu a 39. Não respondeu à pergunta número 15 que se referia às transferências bancárias, mas quando prestou declarações em Lisboa terá contado que que Ricardo Salgado lhe pediu para transferir 12 milhões de euros para o empresário Carlos Santos Silva, que o Ministério Público acredita ser o testa de ferro de José Sócrates e o verdadeiro destinatário dos valores.

“Sei de tudo o que meu cliente fez e não fez nada que não tivesse sido a meu conselho”, disse Rui Patrício, referindo-se assim àquela que é uma das testemunhas-chave do processo. A própria advogada de Carlos Santos Silva admitiu que foi o depoimento de Bataglia que terá sustentado a acusação do Ministério Público. E que houve acordo entre ambos.

“Se houve uma delação premiada, a prova é nula”, porque podem cair alguns dos crimes de fraude fiscal, branqueamento e falsificação que foram imputados a Bataglia. E se o juiz Ivo Rosa decidir que a prova é válida, isso também beneficia a defesa, conclui o advogado que sublinhou: “Estou sereníssimo com a conduta processual do meu cliente.” Isto para a seguir ironizar dizendo que ainda assim, o MP tinha “premiado" com 10 crimes. Hélder Bataglia está acusado de cinco crimes de branqueamento de capitais, dois de falsificação de documento, um de abuso de confiança e dois de fraude fiscal, mas não do crime de corrupção.

O advogado voltou a repetir aquilo que apresentou como principal argumento de defesa do empresário luso-angolano no seu Requerimento de Abertura de Instrução (RAI): há oito crimes sobre os quais Portugal não tem competência territorial. Para Rui Patrício os alegados crimes não foram cometidos em território português, mas em Angola e naquele país as autoridades já o tinham investigado por suspeitas idênticas, num processo que acabou arquivado.

Acresce que, na acusação, é referido que uma das ordens de transferência de dinheiro é dada em Portugal, nomeadamente, no Porto, mas acontece que as contas estão na Suíça. E os crimes de fraude fiscal, segundo o advogado, já prescreveram, portanto o seu cliente não deve ir a julgamento por nenhum dos 10 crimes que lhe são imputados.

O mais que Rui Horta e Costa fez” foi participar nalgumas reuniões da Caixa”

Rui Patrício também falou em nome de outro arguido Rui Horta e Costa, antigo administrador do resort de Vale do Lobo, que é acusado de corrupção activa, branqueamento e dois crimes de fraude fiscal.

Segundo a acusação do Ministério Público, Rui Horta e Costa foi o beneficiário de um dos dois milhões de euros que o holandês Van Doren transferiu para a conta de Joaquim Barroca (ex-administrador do Grupo Lena), pela compra de um empreendimento no Ocean Clube. Diz o MP que estes dois milhões foram depois divididos: um milhão terá ido para Armando Vara.

O advogado começou por dizer que o investimento em Vale do Lobo não foi um movimento irracional e o crédito concedido pela Caixa Geral de Depósitos (CGD) não foi “viciado”. E lançou uma série de questões: “Onde está demonstrada a irracionalidade deste movimento? Quem corrompe o doutor Vara para apostar um empréstimo de valor, sozinho, ainda vai prestar garantias pessoais?”

“O mais que [Rui Horta e Costa] fez foi participar nalgumas reuniões da Caixa”, garantiu, para voltar a ironizar: “A mim ninguém me convence que era o doutor Vara e os sete anões à volta.”

Rui Patrício argumentou ainda que o MP cometeu um erro na atribuição de um crime de branqueamento ao seu cliente: “Se a vantagem não chegou à esfera do destinatário, não se pode lavar! O pagamento da peita, do suborno, é uma coisa, outra coisa é pegar nesse pagamento e ir às compras, depositar aos poucos.” E concluiu: “O doutor Rui Horta e Costa não transferiu, não ordenou, não recebeu, nunca falou com o senhor Van Doren. Qual é o acto de execução que praticou?”

O advogado terminou considerando que a questão do financiamento de Vale do Lobo só aparece na Operação Marquês porque a dupla José Sócrates-Armando Vara está, há muitos anos, atravessada na garganta do Ministério Público.

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