A partir de 1 de Julho, celebraremos Amália no seu centenário, aproveitando para conhecê-la melhor

Concertos, ciclos de cinema, colóquios e arte pública, mas também um grande investimento na salvaguarda do património de Amália. O programa das comemorações, que se inicia a 1 de Julho e se prolongará por 2021, foi apresentado esta sexta-feira em Lisboa.

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Nome maior da cultura portuguesa, Amália Rodrigues nasceu a 23 de Julho de 1920 DR

Cem guitarristas espalhados pelas galerias e escadarias dos Paços do Concelho de Lisboa, distância de segurança assegurada, o que faz parecer que há violas e guitarras em todos os cantos e degraus daquele espaço. As imagens constam de um excerto promocional do concerto que a 1 de Julho, nas redes sociais da Câmara Municipal de Lisboa (CML), da Empresa municipal de Gestão dos Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) e do Museu do Fado, marcará o arranque das celebrações do centenário de Amália Rodrigues.

Ao final da manhã desta sexta-feira, no salão dos Paços do Concelho, Rui Vieira Nery, em nome da comissão organizadora do centenário (completam-na a etnomusicóloga Salwa Castelo-Branco e a directora do Museu do Fado, Sara Pereira), apresentou uma programação abrangente e multidisciplinar que pretende “juntar a memória, os afectos e a festa”. As celebrações que se iniciam agora e que se prolongarão por 2021 incluem concertos, naturalmente, mas também cinema, teatro, dança e arte urbana, passando ainda pela recuperação de património sonoro e visual amaliano e por colóquios e acções pedagógicas dirigidas ao público infanto-juvenil. Iniciativas como a transmissão para vários países da América Latina, em streaming, de um concerto de Sara Correia, Fábia Rebordão e Cuca Roseta a partir da Casa Amália Rodrigues na Rua de São Bento, em Lisboa (6 de Outubro), cumprirão a missão de internacionalizar o centenário.

A comissão organizadora escolhida para o centenário é a mesma que fora responsável pelo dossier da candidatura do fado a património imaterial da Humanidade. No final da apresentação, disse ao PÚBLICO Rui Vieira Nery que as comemorações serão “uma espécie de candidatura Unesco 2.0” e que a experiência anterior trouxe a consciência da necessidade de criar “uma rede”: “O nosso papel foi, principalmente, juntar à volta de uma mesa virtual todos os parceiros que, noutras circunstâncias, teriam organizado iniciativas desgarradamente, sem coordenação e articulação.” Importante foi, também, “juntar à festa, e aos afectos que estão implícitos na festa, a dimensão patrimonial”. Quando terminarem as comemorações, “o que queremos é que tenhamos mais fontes, que saibamos mais sobre a Amália, que tenhamos pensado mais sobre a Amália”; que haja “mais filmes, mais discos, mais acesso à herança dela”, explica o comissário. Também a ministra da Cultura, Graça Fonseca, sublinhou que “o eixo da salvaguarda patrimonial” é “uma área central” da iniciativa. 

O que teremos, então? Teremos Camané e Mário Laginha, no dia de aniversário de Amália, 23 de Julho, a revisitar alguns dos temas mais marcantes saídos da colaboração da fadista com aquele que foi um dos seus mais determinantes compositores, Alain Oulman – a actuação no Museu do Fado será emitida em streaming através das redes sociais da CML. O mesmo local acolherá, a 24 de Setembro, um espectáculo de comemoração dos 100 anos de Joel Pina, viola-baixo de Amália durante três décadas – o músico tornou-se centenário em Fevereiro, mas a festa prevista para Março foi cancelada pela chegada da pandemia.

Haverá mais música, claro – por exemplo, o espectáculo No Tempo das Cerejas, no Castelo de São Jorge, com direcção artística de Luís Varatojo e a participação de Ricardo Ribeiro, Camané e Ana Moura, acompanhados pela Orquestra Metropolitana de Lisboa, que será emitido pela RTP a 30 de Julho; ou um musical, 100 Amália, com direcção musical de Camané, que levará ao São Luiz Teatro Municipal alunos com idades compreendidas entre os nove e os 18 anos para exprimirem em palco a sua relação com o legado da fadista. Até ao final das comemorações, que passarão pelas Marchas Populares lisboetas – em 2021 terão Amália como centro – e que terão o seu encerramento oficial com um espectáculo de videomapping no Terreiro do Paço – “com ou sem máscaras”, notou Rui Vieira Nery —, haverá oportunidade de ver exposições no Museu do Fado, no Museu Nacional do Teatro e da Dança, no Museu do Traje e no Panteão Nacional. Oportunidade de assistir à coreografia Amaramalia, de Vasco Wellenkamp, com a Companhia de Bailado Contemporâneo, de seguir ciclos de cinema na Cinemateca, de acompanhar o colóquio Pensar Amália, no Colégio Almada Negreiros da Universidade Nova de Lisboa, ou de testemunhar como as intervenções de arte pública nos miradouros lisboetas, criadas por artistas como João Onofre, inscreverão as comemorações na paisagem da cidade.

Nem um por século

Antes das intervenções de Rui Vieira Nery, da Ministra da Cultura e do presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, a apresentação das comemorações do centenário teve início com um breve momento musical protagonizado pelo guitarrista Gaspar Varela, sobrinho-bisneto de Amália, Pedro de Castro, também na guitarra portuguesa, e André Ramos, na viola. “Cada vez há mais pessoas interessadas no fado e essas vêem-na como um ídolo. As pessoas da minha geração, mas que não tenham uma relação com a música, vêem-na como uma das maiores artistas de sempre em Portugal, como alguém que fez muito pelo nome do país”, afirmou ao PÚBLICO o jovem guitarrista, reflectindo sobre a forma como a tia-bisavó se mantém inscrita na memória colectiva. Acrescentaria então: “Mas é importantíssimo conhecer realmente a obra e toda a sua história, a sua musicalidade, os poemas que ela cantava. Artistas como estes não surgem muitas vezes, nem uma vez por século.”

As comemorações serão, por isso mesmo, uma oportunidade para aprofundar e gerar novo conhecimento sobre Amália Rodrigues. “Há muita coisa publicada sobre Amália, mas tende a ser mais uma declaração de amor do que propriamente um estudo”, defende Rui Vieira Nery ao PÚBLICO. Daí que uma parte determinante das celebrações passe, por exemplo, pela digitalização de todo o espólio documental de Amália, pela continuação da edição da sua discografia pela Valentim de Carvalho, por novas edições bibliográficas – “Jorge Muchagato está a preparar um livro com dados extremamente inovadores sobre a biografia dela” – ou pelas cópias digitais da sua filmografia a cargo da Cinemateca. “Há muita coisa sobre ela que não sabemos e, a partir dela, que não sabemos também sobre a história do fado”, diz Rui Vieira Nery.

É também a Cinemateca que, em articulação com o Museu do Fado, está a trabalhar no restauro e na digitalização de um espólio valioso, os filmes caseiros, em Super 8, registados na sua maioria pelo marido de Amália, César Seabra, que nos mostram o outro lado da fadista. Conta Rui Vieira Nery que veremos ali “uma Amália que não está em palco a construir a sua imagem de profissional do espectáculo, uma versão mais humana da realidade do que foi a Amália, por oposição ao grande mito, à construção de uma imagem quase hagiográfica da figura da artista”. Durante a sua intervenção Graça Fonseca revelou que já foram digitalizadas 31 bobines e que, nelas, se incluem momentos de rodagem dos filmes em que Amália participou ou das digressões que a levaram, por exemplo, a África. Segundo a ministra da Cultura, todo o acervo documental que está neste momento a ser catalogado e preservado será de acesso livre ao público.

Todo o programa das comemorações poderá ser consultado online em http://centenarioamaliarodrigues.pt/.

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