“Pode chamar-me delatora”: operadora de emergência queixou-se da detenção de George Floyd ao supervisor

Conversa telefónica no momento em que George Floyd estava a ser transportado para o hospital mostra que a polícia tinha mais informações do que admitiu no início. Testemunhas, entre elas um bombeiro, denunciaram homicídio em chamadas para a linha de emergência.

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Alunos de uma escola secundária de Seattle protestam contra o racismo e a violência policial LINDSEY WASSON/Reuters

Uma operadora da linha de emergência da polícia de Mineápolis que estava a assistir à detenção do norte-americano George Floyd, no dia 25 de Maio, através do sistema de videovigilância da cidade, ficou preocupada com o comportamento dos agentes e informou um supervisor. O registo da conversa, divulgado agora pela câmara municipal da cidade, vem questionar ainda mais a resposta inicial da polícia, que só anunciou a abertura de uma investigação ao caso após a divulgação de um vídeo gravado por uma testemunha.

Na conversa, que durou menos de um minuto, a operadora revela algum desconforto com o facto de estar a queixar-se ao supervisor e diz que tinha acabado de assistir a uma situação anormal.

“Se quiser, pode chamar-me delatora, mas estamos aqui a ver a chamada para a [patrulha] 320. Não sei se tiveram de usar a força ou não, mas eles sentaram-se em cima de um homem. Não sei se precisam de si, mas a mim não me disseram nada”, disse a operadora.

Em Mineápolis, no estado norte-americano do Minnesota, os agentes são obrigados a comunicar a um supervisor quaisquer abordagens ou detenções que envolvam o uso de força. A excepção é o derrube do suspeito para o controlar, sem recurso a técnicas adicionais quando ele se encontra imobilizado.

Quando são usadas outras técnicas – como a pressão sobre o pescoço com os joelhos, o que acabaria por matar George Floyd –, os agentes envolvidos têm de chamar o supervisor e permanecer no local até à sua chegada.

Na detenção, o agente Derek Chauvin pressionou o pescoço de George Floyd durante oito minutos e 46 segundos, enquanto Floyd dizia que não conseguia respirar. O caso deu início a uma vaga de protestos anti-racismo e contra a violência policial nos Estados Unidos que se alastrou a vários países em todo o mundo. 

Chauvin e os outros três agentes que estiveram no local foram despedidos depois da divulgação de um vídeo da detenção, um dia depois da morte de George Floyd. O agente foi acusado de homicídio simples, denunciando intenção de matar, e os seus colegas foram acusados de cumplicidade e encobrimento.​

Agentes “mataram um tipo"

Em resposta ao aviso da operadora, o supervisor de turno – um sargento da polícia de Mineápolis – disse que ia tentar saber o que se estava a passar e afirmou que ainda não tinha sido contactado pelos agentes.

“Eles não me disseram nada, a não ser que se trate de uma situação normal de submissão, que não conta. Mas vou ver o que se passa”, disse o supervisor.

A curta conversa entre a operadora e o supervisor durou menos de um minuto e acabou às 20h31, ao mesmo tempo que uma equipa de primeiros socorros levava George Floyd para um hospital, onde a sua morte seria declarada pouco depois.

O supervisor de serviço, o sargento David Pleoger, chegou ao local da detenção 14 minutos depois da chamada e 37 minutos depois da primeira abordagem dos agentes a George Floyd, então suspeito de comprar cigarros com uma nota falsa de 20 dólares. 

O porta-voz da polícia de Mineápolis, John Elder, recusou-se a prestar declarações sobre a conversa entre a operadora e o supervisor enquanto o caso estiver a ser investigado.

A câmara da cidade divulgou também as transcrições de chamadas telefónicas, para o número de emergência, de duas pessoas que testemunharam a morte de George Floyd. Uma delas é de um bombeiro que não estava de serviço, e que se mostrou indignado com a recusa dos agentes em prestar os primeiros socorros a Floyd.

“Acabei de ver agentes da polícia a não medirem a pulsação e a não fazerem nada para salvar um homem. Eu também presto primeiros socorros e gravei tudo em vídeo”, disse a testemunha. “Estava a passar por aqui e vi que eles mataram um tipo.”

Numa outra chamada, registada às 20h32, uma testemunha disse aos operadores da linha de emergência que um agente da polícia “acabou de matar um tipo que não estava a resistir à detenção”.

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