O hara-kiri de Mário Centeno

Centeno quer ser governador do Banco de Portugal, ponto. Funcionário de carreira do Banco, quer chegar ao topo. Não é muito. Não é o FMI. Não é de Ronaldo. Mas é o que é.

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Há qualquer coisa de cómico no facto de ser um governo PS – com o na época impensável apoio do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda – a recriar o mito do “mago das finanças”. Mas foi o que aconteceu com Mário Centeno que, de economista “nerd”, algo tímido, principiante nas arenas da política, passou quase num passe de mágica a “Ronaldo das Finanças”. Mário Centeno conseguiu a proeza de ver o Partido Socialista gritar em uníssono o “Somos todos Centeno” que acabou por ser uma espécie de slogan das legislativas passadas. O PSD também arranjou o seu “Centeno” – o ministro das Finanças já não era só um ministro das Finanças, transformara-se em substantivo.

O poder de Centeno dentro do Governo ia crescendo exponencialmente: funcionava, até há relativamente pouco tempo, como uma espécie de segundo ministro. As suas ambições também: já era presidente do Eurogrupo quando sonhou com o FMI, uma proto-candidatura que foi um fracasso. Aí percebeu-se que Centeno queria muito, queria tudo ou queria outra coisa. Ser ministro das Finanças no país cansativo que é Portugal já não chegava. É o que se percebe dos actos e dos não ditos, porque tirando o monótono lugar-comum do “fim de ciclo”, Centeno não deu publicamente qualquer explicação para abandonar o Governo agora, com uma nova crise financeira à porta e o seu abençoado supéravit engolido pela covid.

Então porquê? Afinal, é simples e ficou transparente na entrevista que o ministro das Finanças deu à RTP na quinta-feira à noite. Centeno quer ser governador do Banco de Portugal, ponto. Funcionário de carreira do Banco, quer chegar ao topo. Não é muito. Não é o FMI. Não é de Ronaldo. Mas é o que é. As coisas da política e da vida às vezes não têm grande dimensão romanesca.

Ao dizer que já falou com António Costa sobre o seu futuro cargo, Centeno também deixa subentender que já tem o aval do primeiro-ministro para a nomeação que está para breve. A lei que a oposição em conjunto fez aprovar para impedir a transferência das Finanças para o banco central não chegará a tempo. Mário Centeno deveria transitar num ápice do Ministério das Finanças para o Banco de Portugal? Não e esse pecado original vai provavelmente perturbar o seu mandato.

E é assim, quase num idêntico passe de mágica que o transmutou de economista-fazedor-do-cenário-macroeconómico para o PS em 2015 a “Ronaldo do Eurogrupo”, que o Mário desfaz o mito Centeno. Já houve hara-kiris políticos mais grandiosos. 

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