Parlamento recomenda ao Governo que adopte medidas de combate ao racismo – só Ventura votou contra

São três recomendações ao Governo do PS, BE e Joacine Katar Moreira, que pedem, entre outras medidas, uma campanha nos media, escolas, serviços públicos e forças de segurança, assim como uma stratégia nacional de combate ao racismo.

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LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

A Assembleia da República aprovou nesta sexta-feira três projectos de resolução do PS, BE e da deputada Joacine Katar Moreira em que recomenda ao Governo que adopte medidas de combate ao racismo. Os diplomas mereceram o apoio de todos os partidos à excepção do Chega, que votou contra, com André Ventura a argumentar que se pretendem “campanhas ideologicamente enviesadas” e que representam a “banalização do racismo”. O deputado da IL absteve-se nas propostas do PS e de Joacine.

Ao plenário acabaram por chegar três textos diferentes, embora com a mesma intenção, porque os partidos não conseguiram entender-se na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para elaborarem um texto único e quiseram levar à votação os textos próprios. Aliás, na mesma reunião em que foram discutidos os diplomas, houve uma troca de acusações entre a socialista Isabel Moreira e André Ventura sobre racismo por causa de um projecto de lei do deputado do Chega pela defesa da liberdade de expressão e da dignidade da pessoa humana e que extinguia a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial. A deputada do PS foi a autora do parecer sobre a proposta do deputado do Chega, de quem disse ser “declaradamente uma pessoa racista” por ter opiniões racistas e propor o “confinamento de pessoas por serem ciganas”. Na réplica, Ventura disse que nunca foi condenado por racismo.

O projecto de resolução do PS recomenda ao Governo a adopção de uma dúzia de medidas “transversais de combate ao racismo”, entre as quais a realização de estudos de recolha de informação estatística sobre a discriminação étnico-racial em Portugal, e sobre a origem étnico-racial da população prisional (para saber a proporcionalidade e os factores de discriminação); o “aprofundamento dos projectos de policiamento de proximidade com os jovens e as comunidades dos bairros periféricos das áreas metropolitanas que levem ao aumento da confiança entre comunidades e forças de segurança”; acabar com a segregação de crianças afrodescendentes e ciganas em escolas ou turmas dedicadas; promover a integração no ensino superior; criar apoios ao arrendamento e à contratação laboral.

Os bloquistas recomendaram a elaboração e implementação de uma estratégia nacional de combate ao racismo com medidas destinadas a “corrigir as desigualdades nas áreas do emprego, da habitação, da educação, da saúde, da protecção social, da justiça e da segurança”. Esta estratégia deve ter por base um estudo nacional “abrangente e transversal sobre as desigualdades resultantes de discriminação étnico-racial” – porque o “combate eficaz ao racismo requer um conhecimento aprofundado e rigoroso deste fenómeno complexo e multidimensional” - e ser dotada financeiramente de meios para a sua “efectiva e atempada implementação”. O Bloco lembra que defendeu que a recolha de dados sobre a composição étnico-racial da população fosse incluída nos Censos 2021, conforme recomendado pelo Grupo de Trabalho criado pelo Governo e reivindicado pela maioria das organizações anti-racistas, contudo essa possibilidade foi rejeitada pelo INE.

Joacine Katar Moreira propôs a recomendação ao Governo para o lançamento “com carácter de urgência” de uma “campanha nacional para renova o pacto anti-racista na sociedade portuguesa”, com grande fôlego nos media, nas escolas e universidades, nas instituições públicas e junto das forças de segurança, à imagem do programa Todos Diferentes, Todos Iguais, lançado em 1996 e 97 no âmbito do Ano Europeu contra o Racismo. Deve ser uma campanha pensada em colaboração com as associações anti-racistas e representantes das comunidades racializadas, e deve ser integrada no programa de compra antecipada de publicidade institucional. Em paralelo, o projecto de resolução de Joacine Katar Moreira recomenda também a criação de um programa anti-racista que apoie actividades que promovam a “integração e empoderamento de afrodescendentes, roma e outras minorias étnicas, bem como de comunidades imigrantes”.

“Se a ciência já provou que biologicamente as raças não existem, o racismo, sim, existe”, aponta Joacine Katar Moreira no texto da resolução. “Tal é claro na estigmatização; na precariedade do emprego e dos baixos salários; no acesso à habitação condigna e sem guetização; no ensino, onde a taxa de reprovação das pessoas racializadas é superior; na cultura, onde as comunidades racializadas estão sub-representadas; na sua sub-representação em carreiras especializadas, bem como em órgãos de decisão e de produção do conhecimento; na justiça, em taxas de condenação e encarceramento que são mais elevadas e em que as suas queixas são arquivadas ou resultam na impunidade dos infractores; na violência policial de que mais frequentemente são vítimas; e até no que diz respeito à nacionalidade, a que alguns não têm acesso apesar de terem nascido em Portugal”.

Ventura, que pedira para fazer uma declaração de voto oral no final das votações, não a pôde fazer porque o regimento da Assembleia da República estipula que esse direito de usar da palavra nessa ocasião cabe apenas aos grupos parlamentares. A solução para o deputado do Chega foi uma declaração de voto escrita. Mas emitiu um comunicado alegando que “não pode haver um racismo bom e um racismo mau”, dando como exemplos George Floyd, nos Estados Unidos, e um são-tomense morto em Paio Pires na passada semana. As campanhas, diz André Ventura, “representam a banalização do racismo”. “Estamos a criar em Portugal um fantasma de racismo estrutural que não existe. Os portugueses não são maioritariamente racistas”, argumenta. 

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