Em Portugal, as compras públicas ainda são pouco ecológicas

No Dia Mundial do Ambiente, Tribunal de Contas divulga auditoria que mostra que Portugal tem uma boa estratégia de compras públicas amigas do ambiente, mas em quatro anos não foi eficaz a pô-la em prática.

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O ambiente está longe de ser uma prioridade na contratação pública Rui Gaudencio

A imposição de limites de emissões poluentes na aquisição ou aluguer de viaturas é uma das poucas situações em que o Estado está a cumprir os objectivos da Estratégia Nacional de Compras Públicas Ecológicas 2020. Depois de ter criado, em 2016, este documento exigente, para pôr o sector público a influenciar, através dos bens e serviços que compra, a transição para uma economia mais sustentável, Portugal está a ser muito pouco eficaz a pô-lo em prática, aponta o Tribunal de Contas numa auditoria divulgada esta sexta-feira, 5 de Junho, Dia Mundial do Ambiente. 

O relatório, que abrangeu um período entre 30 de Junho de 2016 e 30 de Junho de 2019, mostra que o Estado não alocou recursos suficientes para pôr em prática a ENCPE 2020: um documento elogiado pelo Tribunal de Contas por acolher as orientações da União Europeia nesta matéria, as recomendações saídas da avaliação final da primeira estratégia que o país teve para esta área, e por pôr o país no trilho dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU; mas criticado, também, por não ter fixado, ao contrário do previsto, metas para entidades não vinculadas ao Sistema Nacional de Compras Públicas nem objectivos em termos de contratos de obras públicas.

As conclusões, que o Ministério do Ambiente acolheu, prometendo tirar lições e incorporar as recomendações aquando da revisão da estratégia, são uma má notícia para o país. O sector público é responsável por aquisições de bens e serviços que em 2017 representavam, segundo a UE, mais do que 9% do Produto Interno Bruto português, e atendendo a isto, a contratação é, como o próprio tribunal assume, “um instrumento de elevado potencial para a prossecução de objectivos de sustentabilidade ambiental”, como a redução de emissões, de resíduos. Favorecendo, por outro lado, o aparecimento de novos fornecedores capazes de cumprirem os critérios mais exigentes. 

Critérios ainda por definir

Mas o problema é que, chegados a 2020, último ano da estratégia, nem sequer estão definidos critérios de sustentabilidade ambiental para a maioria das 21 tipologias de bens e serviços previstos na Estratégia. Esse guião teria de ser feito por grupos de trabalho (com entidades externas), mas no 2019 só tinham sido constituídos 12 grupos, assume a Agência Portuguesa, que coordena o acompanhamento e a monitorização da ENCPE. Por isso, a definição e adaptação dos critérios europeus a cada área “está concluída e divulgada para 4 das 21 categorias e perspectiva-se que no final de 2020 não abranja mais do que [essas] 12 categorias, o que condiciona uma boa execução da ENCPE e deixa de fora áreas importantes da contratação pública”, assinala o Tribunal de Contas. 

Edifícios de Escritório, equipamentos eléctricos e electrónicos na saúde, iluminação pública e sinalização rodoviária, papel de cópia e impressão, produtos alimentares e serviços de catering e transportes foram as primeiras áreas a ter grupos de trabalho, mas só no início de 2018 é que estes começaram a funcionar. Em Junho de 2019 ainda estavam a ser constituídos grupos para os têxteis, mobiliário, electricidade, equipamentos informáticos para escritório, infra-estruturas rodoviárias e produtos e serviços de limpeza. 

Uma entidade pública com capacidade de contratar - mesmo as câmaras, que não estavam abrangidas pela estratégia - pode introduzir critérios ecológicos nas suas compras, mas a verdade é que os manuais a criar são essenciais para apoiar a elaboração dos concursos e contratos. Até porque um conjunto relevante de entidades que respondeu a um questionário enviado pelo Tribunal de contas admitiu que não tem noção do impacto ambiental das respectivas aquisições. E quando tem, faltam, em todo o caso, funcionários com formação para garantir que a documentação é bem preparada. E em três anos, ou seja, até 2019 “a divulgação e formação são praticamente inexistentes”, diz o Tribunal de Contas.

Falta monitorização

Muito do que se sabe hoje sobre o estado desta estratégia deve-se na verdade, a esta auditoria, porque outra das suas conclusões é que “não são devidamente assegurados o acompanhamento e monitorização da implementação da estratégia” e “não está avaliado” o grau de inclusão de critérios ambientais nas aquisições públicas. “Mas tudo indica ser reduzido e a relevância dos critérios aplicados aparenta ser mínima”. Com outra agravante. Mesmo entre quem impõe critérios nos contratos, há entidades sem sistemas de acompanhamento do cumprimento das respectivas cláusulas contratuais. E nem sequer foram definidos critérios “para fazer a avaliação dos impactos da estratégia”.

O Tribunal de Contas tentou fazer o seu próprio trabalho de avaliação, mas deparou-se desde logo com um problema. O Portal Base não contempla informação sobre todo o tipo de contratos, quer porque as entidades demoram a carregar a informação, quer porque, nalguns casos, como alguns tipos de ajustes directos e procedimentos de consulta prévia, ela é facultativa - algo que esta entidade sugere que seja alterado. Ainda assim, olhando para 2018, verificou que os 2153 contratos que eram precedidos de exigências ambientais representavam apenas 1,9% do total de contratos inscritos no portal referentes àquele ano. Em muitos casos, nota, estavam a ser aplicadas exigências ambientais em procedimentos não abrangidos pela ENCPE (o que pode ser entendido como algo positivo). 

Por tudo isto, o Tribunal de Contas recomenda ao Governo que tome medidas para um efectivo acompanhamento da aplicação da estratégia e outras que estimulem a utilização de critérios ambientais nas compras públicas e que tornem, também, mais exigentes esses critérios. Pede um reforço de meios humanos e financeiros e a definição de objectivos claros e indicadores de desempenho para “medição e avaliação dos principais impactos ambientais, económicos e orçamentais” desta transição para um sistema de aquisições com preocupações ambientais. 

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