A volta a Portugal de Liliana e Nuno: são mais de 2000km em bicicleta

Partiram esta semana e conversámos com o casal, na Costa Nova, prestes a continuar a pedalar pelo país. Uma viagem planeada para 45 dias que dá, literalmente, a volta a Portugal.

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À saída de Guimarães, esta segunda-feira dobercototheworld

Apanhámo-los a prepararem-se para sair da Costa Nova, depois do almoço. Pela frente têm um curto caminho, até Aveiro. Lá vão procurar alojamento e relaxar. Os 35 quilómetros programados para o dia, já foram ultrapassados, com os improvisos — que é o mesmo que dizer com os desvios que o meio de transporte escolhido não só permite como estimula.

“Íamos fazer Furadouro-Aveiro, acabámos por parar em São Jacinto e decidimos vir aqui”, contam Liliana Freitas e Nuno Neto, algures na beira de uma estrada onde, de vez em quando, os camiões que passam obrigam a pausas na conversa telefónica em alta-voz. Estão no terceiro dia de uma volta a Portugal em bicicleta, versão muito própria: da Federação [que apadrinha esta “volta”] perguntaram-lhes quanto tempo iam estar em viagem (“acho que estavam à espera que disséssemos 15 dias, como a prova”, diz Nuno), quando escutaram 45 dias a pergunta foi espontânea. “Não trabalham?”, recordam entre risos. “Não temos mais nada para fazer”, brinca Liliana.​

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O percurso previsto que representará "mais de 2 mil km" DR

Se calhar, podíamos dizer que estes dois mil quilómetros em bicicleta por Portugal, périplo que arrancou em Guimarães no dia 1 de Junho, começaram há dois anos — ainda que tenha sido preparada em 15 dias (já lá iremos). Porque foi há dois anos que Nuno, 37 anos, e Liliana, 38, começaram a “aventura de uma vida”. A deles, pelo menos, juntos há 20 anos, “uma vida”, diz Liliana.

Deixaram os empregos, venderam a casa e os carros: para viajar durante dois anos. Estavam na Austrália quando a covid-19 se instalou no nosso quotidiano. “Achámos melhor voltar.” E, de volta, durante o confinamento, começaram a pensar no que fariam a seguir. “Depois da Austrália, íamos para a Nova Zelândia e daí seguiríamos para a América Latina”, contam, “onde, precisamente, o vírus está a ganhar mais força”. A conclusão foi rápida — “achámos pouco sensato sair de Portugal agora” —, mas a resposta ao que viria a seguir foi inesperada. “Foi a Liliana que lançou a ideia da volta a Portugal em bicicleta”, atira Nuno; “Era uma brincadeira”, devolve Liliana. Fosse como fosse, o Nuno foi rápido a falar com um amigo que tinha loja de bicicletas e em 15 dias estavam prontos.

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Queriam ter arrancado uma semana antes, mas as bicicletas demoraram mais tempo a chegar. Nuno até foi praticante de downhill, mas nenhum deles é ciclista. “Não tínhamos nenhum equipamento, não tivemos muito treino, não sabemos o que vamos aguentar por dia”, admitem. Os alforges chegaram “três ou quatro dias” antes de deixarem Guimarães. Ensaiaram alguns quilómetros nas novas bicicletas, provaram os selins, fizeram afinações; acrescentaram-lhes os alforges (vazios, nota Liliana). Esta foi a preparação para 45 dias quase espontâneos. “Não temos nada marcado, é andar e ver”.

Sabem que rumam ao Sul pelo litoral e voltarão ao Norte pelo interior. “Quando começámos a namorar, não havia muito dinheiro e viajámos muito por Portugal”, diz Nuno, “e agora vamos revisitar sítios que já conhecemos”. Há, contudo, locais desconhecidos, como o Alqueva, aponta: “Nunca estive e tenho muita curiosidade. Sempre que vejo imagens fico a pensar no quão bonito é”. E a Beira Alta e a Beira Baixa despertam “muitas expectativas”, apesar da certeza de que “o interior do país vai ser a parte que vai custar mais, fisicamente”. “Por isso começámos pelo litoral”, brinca, “é como um aquecimento”, completa Liliana. “Estamos a ganhar calo. Para já é tudo mais plano, mas chegamos cansados ao final do dia.”

A ideia é fazer cerca de 50 quilómetros por dia, dizem, sabendo que, se houver dias em que aos 20 ou 30 quilómetros já estiverem cansados, podem parar e, se houver desvios que queiram fazer, também podem pedalar mais. É a liberdade de não ter planos aliada à liberdade da bicicleta e a possibilidade de percorrer caminhos que de outra forma não percorreriam, como o passadiço entre Espinho e Esmoriz, “sobre canaviais”, que os deslumbrou. “Não nos cruzámos com ninguém.” Por enquanto, o ritmo é de uma noite em cada local, mas não descartam ficar duas ou mais noites — se o cansaço apertar. “Imagino que na costa alentejana e no Algarve nos cansaremos muito”, ironiza Nuno.

Tudo corre de forma escorreita: no primeiro dia, fizeram Guimarães-Porto; no segundo, Vila Nova de Gaia-Furadouro, com várias paragens, claro. E alguns desvios para cafés instados por contactos do Instagram. É que, ao longo dos últimos anos, conta Liliana, foram contactando na rede social com vários viajantes, gente com quem falam há muito tempo mas nunca viram pessoalmente, e estão a aproveitar para conhecê-los. “Acho que tudo acabou por conciliar-se bem: ficar em Portugal e conhecer outros viajantes.” Ao terceiro dia de viagem, já se encontraram com dois: na Maia e no Porto.

Por enquanto, tudo corre com tranquilidade. “Sorte de principiantes”, conclui Liliana. Vão preparados com um kit de ferramentas para a manutenção das bicicletas e arranjos eventuais. De resto, nos alforges só levam roupa e produtos de higiene. Nada de tendas ou utensílios para cozinhar, vão fazendo reservas dia-a-dia e vão comendo diárias ou sandes. “Não trazemos nada para além do que levamos nas mochilas às costas quando viajamos”, nota Liliana, “e estamos habituados a viajar com pouco, 18, 19 quilos”.

Era com uma mochila às costas que Liliana e Nuno andavam pela Austrália, na segunda parte da sua viagem pelo mundo que começou em Junho de 2018 e teve um intervalo entre Julho e Setembro de 2019, quando vieram a Portugal, “matar as saudades”. Prepararam essa grande viagem durante dois anos. “Ponderámos bastante, seria ou não a decisão acertada”, lembram. Tinham emprego estável (a Liliana como responsável de planeamento e controlo de produção numa multinacional; o Nuno na sua pequena empresa, que encerrou, de venda a grosso de talheres, copos e pratos) e o país estava a sair de uma grande crise. “Eu estou 100 por cento convicto de que foi a melhor decisão”, afirma Nuno que até já percebeu que não quer voltar a trabalhar na mesma área. “Pelo que já vivemos”, reforça Liliana.

Viveram mil e uma aventuras na Índia e um terramoto na Indonésia (“foi de noite, estávamos num barco, ouvimos algo como um grande trovão, gritos em terra, mas só no dia seguinte percebemos a dimensão do sismo, que causou muitos mortos”); estiveram cinco dias na Coreia do Norte e no Irão e na Birmânia encontraram as pessoas “mais acolhedoras”.

Agora, têm pela frente pouco menos de dois quilómetros para pedalar. Ainda não decidiram se amanhã ficam pela praia da Tocha ou se seguirão até à Figueira da Foz – para esta noite do Dia  Mundial da Bicicleta têm uma certeza: vão comer ovos moles em Aveiro. Para repor calorias. 

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