Urge fechar ruas aos carros para nelas só rolarem bicicletas

José Nuno Amaro realizou, com a sua equipa, uma volta a Portugal, aferindo a realidade de 290 municípios portugueses em matéria de mobilidade ciclável. Conclusões? Ainda temos muito para pedalar.

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José Nuno Amaro e os filhos Adriano Miranda

Terá Portugal motivos para festejar nesta quarta-feira o Dia Mundial da Bicicleta? Sim e não. Ainda que o país tenha vindo a somar algumas conquistas, também é verdade que ainda há muito trabalho para fazer. Palavra de quem andou a dar a volta ao país, a visitar praticamente todos os municípios e a verificar como andam os nossos concelhos e respectivas comunidades em matéria de mobilidade ciclável. José Nuno Amaro, que tem vindo a dedicar-se ao desenvolvimento de soluções inovadoras ligadas às duas rodas, acredita que ainda temos muito que pedalar. “Quem manda tem de vir ao terreno, ter uma visão própria da realidade”, alerta o responsável pela Nuno Zamaro Indústrias.

“A mobilidade ciclável, de repente, tornou-se moda e toda a gente quer ter uma opinião”, observa. Mas mais do que emitir pareceres, ou ditar tendências, é preciso usar mais a bicicleta nas deslocações diárias — e não apenas em lazer — e “começar a impor regras”, indo além “da sensibilização”. “Na Holanda houve uma imposição e pressão por parte das autoridades. Ao fechar várias zonas aos carros, autorizando apenas as bicicletas, contribuiu-se para um aumento do uso da bicicleta”, testemunha, defendendo um cenário idêntico para as cidades portuguesas.

Temos de começar a dar prioridade ao ser humano, às pessoas, em detrimento dos automóveis”, insiste José Nuno Amaro. Coincidência, esta quarta-feira estarão em discussão na Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, na Assembleia da República, cinco projectos de resolução que instam o Governo a apoiar os modos activos de deslocação em resposta à pandemia.

Depois de percorrer, nos últimos quatro anos, 290 municípios portugueses — só não atingiu os 308 por causa da pandemia da covid-19 —, o especialista em duas rodas verificou que “cerca de 60% das ciclovias e ecovias existentes precisam ou vão precisar de ser requalificadas ou alteradas”. Para isso, importa, segundo José Nuno Amaro, começar a adoptar estratégias intermunicipais, evitando soluções individuais que não combinam com a realidade do município vizinho.

A investigação realizada — e cujas principais conclusões José Nuno Amaro fez questão de dar a conhecer nesta data em que se celebra o Dia Mundial da Bicicleta — também permitiu verificar que faltam “parques de estacionamento para bicicletas”. “Curiosamente, praticamente todos os municípios visitados já tinham um ponto de carregamento eléctrico para viaturas, mas alguns nem área de apoio à colocação de bicicletas no seu centro urbano tinham”, lamenta. Mais: “Dos quase 40 sistemas de partilha de bicicletas existentes no país, há, neste momento, 30% parados, em mau funcionamento ou que nunca foram utilizados.”

Entre os aspectos positivos, e que registou grande evolução nestes últimos 10 anos, José Nuno Amaro destaca “os movimentos cívicos e associativos de apoio ao uso da bicicleta que nasceram um pouco por todo o país e que foram determinantes para as mudanças impostas aos municípios e aos governos”.

Trabalhar com os mais novos

Nesta volta a Portugal, a equipa da Nuno Zamaro dedicou especial atenção às gerações mais novas, trabalhando a partir de “um universo de 7000 alunos, do pré-escolar e dos primeiro e segundo anos do ensino básico”. E se há questão que não suscita dúvidas é a satisfação que as crianças têm em andar de bicicleta. O problema? “São os pais”, diz, sustentando com os números: do universo estudado, “50% das crianças referiram não usar uma bicicleta por falta de apoio parental”; “70% disseram que os seus pais nem sequer utilizam a bicicleta, contra 30% mais optimistas que o fazem com regularidade”. “Exactamente as mesmas crianças que nos disseram que os adultos, em 60% das vezes, atendem o telefone levando-o directamente ao ouvido, enquanto conduzem as suas viaturas”, contrapõe.

A escola, no seu entender, também tem aqui um papel a desempenhar e a prova foi o projecto-piloto escolar que a Nuno Zamaro Indústrias desenvolveu junto de 80 alunos do município de Albergaria-a-Velha, em Aveiro. “Tínhamos aulas semanais e foi muito interessante ver o envolvimento das crianças”, conta.

A herança familiar e o peso da terra natal

José Nuno Amaro tem sido o mentor de vários projectos inovadores de mobilidade ciclável, área na qual tem vindo a trabalhar há 17 anos. Outrora atleta profissional de futebol (foi guarda-redes do Braga, Gil Vicente, Beira-Mar, entre outros), acabou por dedicar-se ao mundo das bicicletas com toda a naturalidade. Na verdade, as duas rodas sempre fizeram parte da sua vida. O seu bisavô foi um dos obreiros do processo de industrialização das bicicletas e motorizadas em Portugal — foi fundador da Macal, famosa pelas suas motorizadas — e o seu avô esteve na origem de um dos maiores armazéns de componentes para veículos de duas rodas existente em Portugal e na fundação da mais emblemática marca de bicicletas do país, a Órbita.

A esta herança familiar juntou-se, depois, a vivência da sua terra natal, a Gafanha da Nazaré. “É orgânico, não há quem não ande de bicicleta naquela cidade”, vinca o empresário e criativo que, em 2003, lançou a marca BKI, de onde saíram bicicletas únicas criadas para algumas personalidades internacionais — duas foram oferecidas em nome de Portugal aos reis de Espanha.

Autor de projectos vencedores do Prémio Nacional de Mobilidade em 2007 e 2017 — a Bute, desenvolvida em conjunto com a Universidade do Minho, e o +Bicicletas que permitiu ao município de Águeda arrecadar o troféu —, José Nuno Amaro é também o criador da Angel, uma bicicleta com um design simples e inovador e totalmente reciclável. Nos últimos anos tem vindo a apostar  também nos projectos Pop e PréPop (Programa Operacional Pedalar), uma solução educacional e motivacional para o pré-escolar, primeiro e segundo ciclo do ensino nacional.

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