Um momento de publicação independente: Baú N.º 1 — Arrumo de Vivências e Saberes

Fanzines, edições de autor, livros de artista — nesta rubrica queremos falar de publicação independente. Daniel Lopes apresenta Baú N.º 1 — Arrumo de Vivências e Saberes .

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Apresenta-nos a tua publicação.
A minha avó costumava contar histórias sobre a sua vida de jovem. Depois de ela partir, o tempo varreu aos poucos essas histórias e já mal as sei dizer. Da mesma forma, muitas outras histórias se perdem todos os dias. O Baú pretende arquivar todas essas memórias e conhecimento.

Quem são os autores?
O Baú foi desenhado por mim e editado, conjuntamente, por mim e pelo Ivan Laranjeiro. A revisão dos textos e a paginação foi feita em colaboração com a Cátia Roça.

Os conteúdos desta primeira edição foram encontrados de boca em boca — falando com amigos que falaram com amigos. Encontrámos poemas de três jovens filósofos lisboetas — o Bac, o Gonçalo e um autor que optou por assinar como “Ninguém” — e recuperamos a autobiografia de uma avó de Vila Praia de Âncora que, infelizmente, já partiu — a D. Teresa Devesa. O texto autobiográfico foi dactilografado pela sua filha Emília Parente e cedido ao Baú pela sua neta Jéssica Parente.

Do que quiseste falar?
O Baú é de tema aberto. Mas pretendemos que seja uma espaço de publicação apenas para autores desconhecidos cujos conteúdos, de outra forma, ficariam no baú lá de casa para sempre. Queremos dar-lhes uma oportunidade de dar a conhecer as suas obras. Fora essa restrição, tanto publicamos as reflexões de jovens pensadores que se questionam sobre o mundo ou sobre as adversidades dos desamores, como publicamos as histórias do tempo de juventude dos mais velhos, que relatam um mundo tão diferente do actual.

Questões técnicas: quais os materiais usados, quantas páginas tem, qual a tiragem e que cores foram utilizadas?
O Baú é um jornal não periódico, de 16 páginas, impresso a preto. Este primeiro número teve uma tiragem de 5000 exemplares. Na minha opinião, os jornais tradicionais são para ler as notícias e depois mandar fora. O Baú, por outro lado, é para sentar, ver, ler e passar para as próximas gerações. Nesse sentido, o design foi direccionado de forma a contrariar o grafismo dos jornais comuns. Por exemplo, utilizando metade do tamanho de um jornal tradicional, letras grandes em vez de pequenas ou, até nos títulos, assumindo um grande espaçamento entre palavras. Mas ainda mais importante que isso é que queríamos que o Baú pudesse não só ser lido, mas também interpretado visualmente. Assim, mesmo que alguém não saiba ler ou não entenda a língua portuguesa, continuar a poder desfrutar do Baú.

Alguns poemas foram originalmente escritos à máquina e de uma forma muito visual. Alguns continham até ilustrações manuais. O grafismo das antigas máquinas de escrever, por si só, merece ser preservado e divulgado às gerações seguintes. Por esse motivo, resolvemos digitalizar esses textos e colocá-los no baú assim como foram escritos. Com a devida aprovação dos autores, adicionámos também uma segunda camada de interpretação a alguns dos textos, tornando-os em poemas visuais. Noutros casos, ilustramos os textos com ilustrações geométricas muito simples. No caso da autobiografia, utilizamos digitalizações dos textos originais (escritos numa máquina ande escrever mais recente) para criar uma nova forma de marcar parágrafos e definimos algumas palavras que já caíram em desuso. Levando esta abordagem de paginação visual ainda mais longe, usamos pictogramas de baús para numerar as páginas. 

Onde está à venda e qual o preço?
O Baú é um projecto independente financiado por uma campanha de crowdfunding e tem sido distribuído gratuitamente em espaços culturais do país (teatros, museus, etc.). Já foram distribuídos exemplares em vários espaços em Coimbra, Tocha e Lisboa. No entanto, devido à pandemia, ainda não terminamos. Planeamos distribuir, pelo menos, ainda no Porto, em Viana do Castelo e nas Caldas da Rainha. Não é uma tarefa fácil faze-lo de forma autónoma, porém, o objectivo é chegar a todos os distritos do país, se não nesta, na próxima edição.

Aliás, gostaria de agradecer a todos os doadores: Zé dos Leitões, RR, FIG – Indústrias Gráficas SA, Carmo Teixeira, Penousal Machado, Ana Lopes, Pedro Martins, Ricardo Lopes, João Correia, Beatriz Correia, Inês Duverge, Jéssica Parente, Mariana Seiça, Sérgio Rebelo, Cátia Roça, Andreia Lopes, João Marques, Catarina Maçãs, Pedro Silva e Beatriz Ferreira; assim como àqueles que ajudaram na distribuição: Cátia Roça, Pedro Silva, Rúben Cunha, Susana Francisco, Gilberto Pereira, Catarina Pires.

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Porquê fazer e lançar edições hoje em dia?
Ao contrário do que se pensava, o digital nunca substituirá a impressão. São técnicas complementares. Além de possibilitar uma leitura mais confortável, a materialidade e até o cheiro da publicação impressa proporciona uma experiência diferente (pelo menos para mim, designer multimédia). Além disso, um bonito artefacto impresso é mais raramente experienciado do que uma imagem bonita no ecrã de um computador. E no meio de tanta informação online, por vezes chega a ser improvável divulgar uma obra a públicos que não sejam os nossos amigos no Facebook. Acredito que distribuir o Baú em espaços culturais do país leva estas obras a muitas mais pessoas e, mais importante, às pessoas certas — as que se interessam por objectos culturais como este. 

Recomenda-nos uma edição de autor recente em Portugal.
O jornal Mundus.

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