Democracia local: o poder das assembleias municipais

Pode uma câmara impedir a utilização de um espaço público municipal considerado pela assembleia como adequado para a realização da sessão? A nosso ver, não pode, cometendo uma ilegalidade grave.

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A Constituição garante a supremacia das assembleias sobre as câmaras pbc pedro cunha

O presidente da Câmara Municipal da Guarda não autorizou a “utilização do Teatro Municipal ou de outro equipamento público” para a realização de uma assembleia extraordinária convocada para o dia 11 de maio de 2020, tendo como ponto único o tema “Perspetivar o Futuro”. Invocou para tal o estado de calamidade que vigora no nosso país e que, no seu entender, impediria tal realização.

Podia o presidente proceder como procedeu? Não cuida este texto breve de outros detalhes e cinge-se ao acima exposto. A relação entre a assembleia municipal e a câmara municipal, incluindo o respetivo presidente, é uma relação de supremacia, pois cabe à assembleia municipal deliberar sobre os principais assuntos do município, quase sempre sob proposta da câmara, e fiscalizar a atividade desta.

A câmara municipal e o seu presidente prestam contas perante a assembleia e a Constituição prevê mesmo o poder de destituição da câmara, desde 1997, tardando apenas a lei que concretizará esse poder. Este é o resultado do nosso sistema de democracia local que estabelece a assembleia municipal como órgão máximo do município.

A assembleia atua por várias formas, sendo a mais comum a realização de sessões ordinárias e extraordinárias. Para exercer a sua missão, a assembleia precisa de conhecer bem os problemas do município e por isso é livre de tomar iniciativas nesse sentido, de que são exemplo a realização de sessões extraordinárias. Só conhecendo bem os assuntos do município a assembleia pode fiscalizar a ação ou omissão da câmara municipal e do mesmo modo deliberar bem sobre as numerosas propostas que lhe são apresentadas.

Assim sendo, pergunta-se: pode o órgão sujeito a fiscalização impedir o órgão fiscalizador de exercer a sua função, interferindo no poder da assembleia de convocar, por exemplo, reuniões extraordinárias? Pode a câmara ou o seu presidente apreciar a bondade da convocação da assembleia, considerando que ela não é legal, oportuna ou urgente? Pode impedir a utilização de um espaço público municipal considerado pela assembleia como adequado para a realização da sessão? A nosso ver, não pode, cometendo uma ilegalidade grave. A permitir-se um tal poder, estaria a subverter-se o funcionamento da democracia local.

A apreciação da legalidade é da responsabilidade da assembleia municipal e se praticar uma ilegalidade, responde por ela. O presidente da câmara poderia apenas chamar a atenção para a ilegalidade que a seu ver estava a ser cometida e solicitar a intervenção do Governo, como entidade de tutela administrativa, nos termos da Constituição.

Uma palavra final sobre o dever de cooperação entre a assembleia e a câmara municipal. Os respetivos presidentes e restantes membros têm o dever de procurar entendimentos, até ao limite, na relação entre os dois órgãos para bem do município. A legitimidade direta de ambos os órgãos e a compreensão do que é a democracia a isso obrigam.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico                                                                      

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