Vieira da Silva avisa que o teletrabalho “levanta problemas muito delicados”

Em entrevista ao Negócios, o ex-ministro do Trabalho diz ter uma posição “conservadora” sobre o teletrabalho e advertiu para os riscos trazidos pela interpenetração da vida pessoal e familiar com a vida profissional dos trabalhadores.

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Vieira da Silva não considera fundamental rever o Código do Trabalho para adaptar o teletrabalho Daniel Rocha

O ex-ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social José António Vieira da Silva não acredita que a modalidade do teletrabalho seja sinónimo do “melhor dos mundos”.

Vê pontos positivos, mas também adverte para alguns perigos que o exercício generalizado à distância traria colectivamente – das dificuldades de controlo do número de horas que se trabalham aos riscos para a própria saúde dos trabalhadores, passando pela interacção que se perde sem a presença física no local de trabalho. “Nem tudo é uma maravilha”.

Em entrevista ao Jornal de Negócios, o antecessor de Ana Mendes Godinho diz ser “um pouco conservador” na leitura de que este momento de resposta à covid-19 é uma “oportunidade” para operar uma mudança radical nas formas de organização de trabalho.

Questionado se é avisado voltar ao regime anterior, em que as empresas decidem por acordo com o trabalhador se faz ou não teletrabalho, Vieira da Silva considera que “a generalização de instrumentos que foram potenciados por esta crise tem aspectos positivos” — de diminuir os riscos de contágio do novo coronavírus à poupança de tempo e combustível nas deslocações.

Mas há também obstáculos. “Há muitas actividades económicas em que, mesmo quando se pode substituir a presença física pelas ligações electrónicas, se perde alguma coisa, perde-se um determinado tipo de interacção, não é o mesmo. E depois há uma questão séria, que é a questão da natureza das relações de trabalho. Não julgo que possamos fechar os olhos a esse problema. Nós ainda temos uma lei do trabalho que fixa as 40 horas de trabalho como o limite médio das horas de trabalho. Todos nós ouvimos relatos de pessoas que em teletrabalho trabalham 12 horas seguidas.”

Ministro do Trabalho no primeiro Governo de José Sócrates e no primeiro de António Costa, José Vieira da Silva diz não ser partidário daquelas “visões de que isto é uma oportunidade para passarmos de um paradigma de organização do trabalho para um outro radicalmente diferente, em que todos nós trabalhamos nesta rede de nuvem etérea em que tudo funciona no melhor dos mundos...”.

Para o ex-governante, os riscos de trabalhar mais horas também existem no exercício laboral presencial, mas, sublinha, aí há “talvez mais formas de controlar”. No caso do teletrabalho, diz, acresce que “a interpenetração da vida pessoal e familiar das pessoas com a vida profissional não é isenta de riscos para a nossa saúde colectiva.

É neste sentido que afirma ao Negócios: “Temos de aproveitar, obviamente, mas temos de saber que a organização [clássica] do trabalho tem aspectos que são positivos do ponto de vista da socialização e do controlo global da sociedade sobre a forma como as pessoas prestam a sua actividade e são remuneradas. Tudo isto levanta problemas muito delicados e por isso sou um pouco conservador. Acho que devemos aproveitar tudo o que é bom nestas melhorias, mas ter muito cuidado com os riscos que enfrentamos.”

Questionado se considera adequado ajustar o Código do Trabalho, Vieira da Silva não o considera fundamental rever a legislação, embora sublinhe que há adaptações que podem ser feitas. Apela antes a que os parceiros sociais (as centrais sindicais e as confederações patronais) “se empenhem na negociação colectiva”.

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