Está na hora!

Continuar a dormir, como nos últimos dois meses, seria uma estrondosa inépcia na governação da cidade. É agora que Lisboa precisa de ser ativa, criativa, transformadora e presente. É tempo de mudança.

Come senators, congressmen
Please heed the call
Don't stand in the doorway
Don't block up the hall
For he that gets hurt
Will be he who has stalled
There's a battle outside ragin’.
It'll soon shake your windows
And rattle…

Bob Dylan, 1964

Lisboa adormeceu, tinha a sua dinâmica, aos solavancos das taxas de licenciamento e turismo. No entanto, às vezes bem, outras vezes mal, sentia-se um certo ritmo de transformação. Perante a crise de 2011, os Lisboetas demonstraram capacidade de transformação. Muitos dos que ficaram, mudaram de vida. E a cidade mudou com eles. Houve projectos de espaço público emblemáticos. Foi a reacção “keynesiana” à última crise financeira em Portugal. E precisamente por serem projectos emblemáticos da cidade-turismo, também foram precários. Não chegamos bem a acordar. Gesticulamos com alguma esperança. Havia na equação muitas incógnitas mas demasiadas certezas. Mas era um tempo que o espaço público ganhou, ainda que lhe faltasse direcção e muitos dos projectos fossem para turista ver.

Agora, devido ao confinamento e a uma crise que ninguém arrisca definir os contornos, entramos em apneia, à espera de voltar à tona. Está na altura de sonhar para acordar, realmente. Não é a altura para dormir. Continuar a dormir, como nos últimos dois meses, seria uma estrondosa inépcia na governação da cidade. É agora que Lisboa precisa de ser ativa, criativa, transformadora e presente. É tempo de mudança. A pandemia obrigou a um confinamento que demonstra o enorme potencial de transformação do espaço público e na forma de nos deslocarmos na cidade. Obrigou-nos a usar mais o bairro, a tentar caminhar nos passeios estreitos, a procurar a mercearia do bairro que entretanto pode já ter passado a loja de souvenirs e a passear com a família entre os carros estacionados. Mas deixamos finalmente o carro em paz e os carros deixaram de entrar na cidade.

Com ou sem pandemia, o transporte público continuará a ser a base das deslocações em Lisboa. Mas muitas cidades Europeias já estão acordadas, porque sabem que é a distribuição política do espaço público da cidade que ditará a nossa sorte nos próximos meses. E, por isso, já começaram a ampliar os passeios, a fazer corredores sanitários, temporários ou permanentes, a fechar ruas aos carros para as transformar em espaços abertos de movimento de pessoas e bicicletas. Estão a transformar parques de estacionamento em “parklets” (jardins de bolso), a licenciar e permitir esplanadas em lugares de estacionamento ou como formas criativas de acalmia de tráfego em ruas partilhadas.

Há cidades a agir, verdadeiramente acordadas – cientes dos perigos e da oportunidade única e breve para tomarem decisões. Agora, não é para daqui a um mês. Sabem que podem dar passos seguros e responder ao apelo dos cidadãos que experimentaram pela primeira vez uma cidade limpa. A cidade temporária, o urbanismo tático, o comércio post it, são tudo investigações, estratégias e políticas já testadas, estudadas por investigadores Portugueses em cidades Portuguesas. Nem precisamos de importar.

Precisamos é de inovar, criar uma dinâmica, usar o espaço público como o palco de um encontro que tarda. Ser criativos, rápidos e eficazes. Repensar o turismo e a habitação. Sair desta crise requer colocar as pessoas no centro das decisões. Não serve fecharmo-nos nos gabinetes ou fazer “Grupos de Trabalho” sem a participação da sociedade civil. Não serve fazermos planos para amanhã, com visões de ontem. É agora o tempo do diálogo e transparência – o tempo é de ação e experimentação. Muitas pessoas estão prontas para sair, e dispostas a mudar a forma como usam a cidade. Muitos Lisboetas já perceberam que terão que se movimentar pela cidade de outra forma, querem viver de outra maneira. Acima de tudo, não querem viver em apneia e não querem também a cidade envenenada de outrora, muito menos continuar a dormir. As pessoas querem voltar à cidade e às suas ruas.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção