Mais áreas protegidas, árvores e agricultura biológica: a estratégia da União Europeia para restaurar a biodiversidade

Estratégia apresentada pela Comissão Europeia terá de ser aprovada pelo Parlamento Europeu e o Conselho Europeu, para se tornar efectiva.

Foto
Proteger as florestas e plantar três mil milhões de árvores até 2030 são dois pontos da estratégia Sérgio Azenha

O Dia Internacional da Biodiversidade celebra-se esta sexta-feira com um novo fôlego, trazido pela Comissão Europeia que, esta quarta-feira, apresentou a sua Estratégia para a Biodiversidade e, ao mesmo tempo, a Estratégia do Prado ao Prato, dedicada à agricultura, e intimamente relacionada com a primeira. Partindo da ideia “trazer a natureza de volta às nossas vidas”, a comissão propõe um conjunto de medidas que pretendem liderar a caminhada para o ambicioso objectivo mundial de garantir que “em 2050 todos os ecossistemas do mundo estão restaurados, resilientes e adequadamente protegidos”.

O ponto de partida para a proposta da comissão é simples: “Proteger e restaurar a biodiversidade é a única maneira de preservar a qualidade e a continuidade da vida humana na Terra.” Uma espécie de lema que muitos têm vindo a gritar, mas que nem todos os decisores se têm predisposto a ouvir. Agora, a comissão diz que a União Europeia “está pronta para mostrar ambição em reverter a perda de biodiversidade, liderando o mundo através do exemplo e da acção”.

Para isso, não faltam objectivos muito concretos nesta estratégia, que deve estar em velocidade cruzeiro até 2024, ano em que tudo será reavaliado e reformulado, caso seja necessário. E o primeiro é precedido de mais uma premissa do documento: “Para o bem do ambiente e da nossa economia, e para apoiar a recuperação da União Europeia da crise da covid-19, precisamos de proteger mais a natureza.” O primeiro passo para o conseguir é proteger “pelo menos 30% dos solos e 30% do mar dentro dos limites da União Europeia (UE)” e, dentro dessas áreas protegidas, “pelo menos um terço deve estar estritamente protegido”, define-se.

A escolha deve ter em conta as áreas com “alto valor de biodiversidade”, refere-se no documento, que apresenta logo a seguir mais uma directriz para os próximos anos: “Será essencial definir, mapear, monitorizar e proteger de forma rígida todas as florestas primárias e mais antigas da UE.”

A importância destas florestas na captação e armazenamento de dióxido de carbono (CO2) é um dos pontos destacados pela comissão que, pela mesma razão, indica que há um conjunto de outros “ecossistemas (...), como turfeiras, pastagens, zonas húmidas, mangais e prados de ervas marinhas que também devem ser rigidamente protegidos.”

Ainda no que se refere às florestas, a estratégia defende que deve “aumentar a quantidade, qualidade e resiliência” destes ecossistemas e as linhas mestras para isso, que estarão prontas no próximo ano, incluirão “um guia para se plantar pelo menos três mil milhões de árvores adicionais na UE até 2030”. Relacionado com este tema está o uso da biomassa como recurso energético – muito criticado por alguns sectores –​, algo que será avaliado nos próximos anos.

Corredores ecológicos

Além de escolherem as novas áreas protegidas da UE, os Estados-membros devem empenhar-se também em conseguir estabelecer corredores ecológicos que impeçam “o isolamento genético” e permitam “a migração das espécies e o potencial de ecossistemas saudáveis”. Isto irá potenciar o que a comissão designa de Rede da Natureza Transeuropeia e cuja construção é mais um dos objectivos propostos, já que, o que existe, “não é suficiente para proteger e restaurar adequadamente a natureza”, lê-se no documento.

A comissão propõe ainda a criação de um novo Plano de Recuperação da Natureza, porque o que existe “tem falhas” e não contém, por exemplo, a exigência de cada Estado-membro ter “um plano para restaurar a biodiversidade”. Agora, o que se pretende desses Estados é que demonstrem que “30% das espécies ou habitats que não estão actualmente num estado favorável recuperaram ou estão no bom caminho para o fazer” até 2030.

Numa estratégia que só irá funcionar com a participação de todos, a todos os níveis, as cidades são chamadas a participar de forma muito específica. Todas as que tenham pelo menos 20 mil habitantes devem construir um Plano Urbano Verde que preveja a criação nos seus espaços de florestas, parques, prados, cercas ou quintas urbanas, além de ruas com mais árvores e a proliferação de telhados e paredes verdes, como já se vai vendo em algumas delas.

A estratégia europeia olha também para as espécies invasoras – um dos cinco factores que mais contribuem para a perda da biodiversidade, a par com as alterações no uso do solo e do mar, a exploração em excesso, as alterações climáticas e a poluição –​ e quer que nos próximos anos se assista a uma redução em 50% das espécies que constam como “ameaçadas” no Livro Vermelho, por causa deste factor. 

Reduzir o uso de fertilizantes em 20% (para combater a poluição), apostar no ciência e no conhecimento (incluindo a criação de um novo Centro de Conhecimento da Biodiversidade), apostar no uso sustentável dos recursos marinhos (com tolerância zero para práticas ilegais) e devolver a 25 mil quilómetros de rios europeus a possibilidade de “correrem livremente” (com a remoção de “barreiras obsoletas e o restauro de áreas de cheia e zonas húmidas”) são algumas das outras propostas da Comissão Europeia. As outras prendem-se com a agricultura e estão directamente ligadas com a Estratégia do Prado ao Prato.

Menos pesticidas

O que se pretende é que seja feita “uma transição completa para práticas sustentáveis”. Para ajudar ao consegui-lo, ao mesmo tempo que se trava “o declínio alarmante” das espécies polinizadoras, a nova estratégia europeia quer que haja uma redução de 50% “no uso de pesticidas químicos até 2030”. Pelo menos 10% das áreas agrícolas devem ter “uma paisagem de alta diversidade” e pelo menos “25% da terra agrícola da UE deve ser dedicada à produção biológica em 2030”.

Nada disto se consegue sem investimento e as contas da comissão indicam que “20 mil milhões de euros” devem ser disponibilizados anualmente para gasto com a natureza, entre fundos públicos e privados. O compromisso pretendido é que “25% do orçamento da UE dedicado à acção climática seja investido em biodiversidade e soluções de base natural”.

Para que seja possível avançar com esta estratégia é preciso que a o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu a aprovem, e a comissão pede que tal aconteça antes da 15.ª conferência das partes sobre Convenção da Diversidade Biológica, que estava prevista para Outubro, na China, mas que aguarda agora um novo agendamento, por causa da pandemia.

Usar dinheiro eficazmente

Por cá, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) saudou a posição “ambiciosa” da Comissão Europeia e considera a estratégia uma “boa notícia para Portugal”, pelo potencial de financiamento que poderá receber para tornar sustentável a gestão da Rede Natura 2000 e para os agricultores que têm apostado em “raças, variedades e sistemas tradicionais”.

Já a associação Zero marca o dia dedicado à biodiversidade com um alerta sobre a necessidade de usarmos mais eficazmente os fundos à disposição para a conservação da natureza. Segundo as contas feitas pela organização, os atrasos na implementação de projectos nesta área ou a não-atribuição de verbas põem em risco a utilização de cerca de dez milhões de euros, 25% do total dos investimentos previstos.

Para que esta verba não seja desviada para outros fins, a Zero sugere um conjunto de investimentos directamente relacionados com a preservação de espécies e dos seus habitats, como a recuperação da população da truta-de-rio autóctone, o reforço de populações de presas silvestres do lobo-ibérico (como corços e veados) e a reabilitação de habitats de água doce parada em estado de conservação desfavorável. O restabelecimento da continuidade fluvial e a preservação da flora ameaçada são as outras propostas da associação ambientalista para investimentos a curto prazo.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários