Palmilha Dentada estreia peça de teatro no Zoom – e os espectadores podem “participar”

Companhia desafia público a não desligar o microfone e a câmara, para que as suas reacções “contagiem” e façam parte da peça.

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O encenador Ricardo Alves quer criar experiência "íntima, com união, que é fundamental no teatro" Palmilha Dentada

A partir desta sexta-feira, e até 7 de Junho, “mesmo confinada”, a Palmilha Dentada vai apresentar Máscara Social, espectáculo “pensado, escrito, encenado e ensaiado na plataforma Zoom”. Decidida a não permitir que os telemóveis ou computadores criem uma separação entre os actores e o público, a companhia propõe a organização de “um encontro vivido”, “como todo o teatro deve ser”: os espectadores, em casa, serão desafiados a não desligar o microfone e a câmara, para que as suas reacções “contagiem e integrem” a peça.

“É essa a coisa engraçada do Zoom”, conta Ricardo Alves, director artístico da Palmilha Dentada, ao PÚBLICO. “No último domingo, tivemos 40 amigos a assistir ao ensaio geral, e foi muito satisfatório ver em acção a dinâmica da plataforma, que tínhamos estudado e explorado durante as semanas anteriores”, explica o encenador. “O foco passa para uma determinada pessoa a partir do momento em que ela começa a rir-se. Por um lado, isso pode prejudicar ou interromper um pouco a narrativa – e também vai fazer com que os actores precisem de começar a lutar pelo ‘brilho’, aquele lugar no meio do palco –, mas, ao mesmo tempo, as pessoas conseguem participar. Criamos uma experiência mais íntima, com união, que é fundamental no teatro.”

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Foi com "muito agrado" que os actores responderam e se adaptaram às dificuldades da videochamada Palmilha Dentada

“É claro que estamos a falar de um formato muito distinto”, alerta o autor desta peça, que, na sua essência, acompanha uma “reunião de teletrabalho do Ministério do Ambiente” – com um ministro frustrado devido ao “desaparecimento mediático a que ficou sujeito no meio desta situação” e um super-herói chamado Improvável que, “por vicissitudes várias da vida”, acabou como seu assessor. Por um lado, a qualidade “insuficiente” da videochamada não permite que a equipa artística reunida para o espectáculo possa “pensar em jogos de luz” ou em questões de sonoplastia. Por outro lado, “de vez em quando, existe um delay considerável entre as frases que ouves e as respostas que dás: a videoconferência falseia os tempos, digamos assim”. Os actores Ivo Bastos, João Costa e Tiago Araújo aprenderam, então, a “antecipar o fim das participações uns dos outros”, para que pudessem “entrar na hora certa” e evitar “aqueles momentos mortos constrangedores”.

Mas estas dificuldades técnicas, assegura Ricardo Alves, foram encaradas com “muito agrado” pelos intérpretes, que, para além de estarem “habituados a desafios”, já sentiam a falta de um texto novo para decorar. “O Ivo Bastos, por exemplo, está profundamente habituado à experiência do café-teatro, com condições imprevisíveis e incontroláveis. Temos aqui um grupo que gosta muito de inventar e transformar realidades”, garante o director artístico.

Trabalhada em três semanas, com a “urgência de responder ao congelamento da temporada da Palmilha Dentada no Pérola Negra”, Máscara Social foi escrita para que, em cenário de pandemia, a companhia pudesse ter “o reencontro possível” com o seu público. De tal forma que, em plena “Palmilha Cyber Arena™”, antes e depois da apresentação, a sala virtual estará em modo foyer, sendo as pessoas na “assistência” convidadas a conversar e trocar ideias com os artistas. “Sinto que há uma vontade de nos encontrarmos e de partilharmos umas risadas em conjunto”, avança o criador. “Não é a mesma coisa que estarmos juntos no auditório para a clássica conversa pós-espectáculo, mas é uma imitação agradável.”

Durante as próximas duas semanas, as performances vão acontecer de quarta a domingo, sempre às 21h46, com “abertura de portas” às 21h30. Os espectadores, que apenas precisam de instalar a aplicação do Zoom e ter “uma ligação à Internet estável”, podem pagar um bilhete – “se quiserem”. O normal custa “cinco euros por dispositivo, podendo estar mais do que uma pessoa a assistir”, e há ainda o “preço de amigo”, “para quem possa e queira pagar mais”, sendo que 5% das receitas revertem a favor da Apuro – Associação Cultural e Filantrópica.

Mas os valores são apenas indicativos, salienta Ricardo Alves. “Como vivemos numa situação de crise económica, e porque o teatro é um bem de primeira necessidade, nós oferecemos um convite se alguém quiser ver o que vamos fazer e não tiver capacidade financeira para pagar”, aponta. “Não podemos deixar que o teatro fique só para quem tem dinheiro nesta altura difícil.”

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