Covid-19: ser finalista e não ter direito a fechar um ciclo e festejar

O período de pandemia veio ditar o cancelamento das celebrações a pensar nos alunos que terminam ciclos do seu percurso académico. O PÚBLICO foi perceber como se sentem os finalistas de 2019/2020.

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A cartola e a bengala é usada não só pelos estudantes do ensino superior mas também muitas escolas adoptam estes símbolos para os mais pequenos Cátia Vide

Planos, muitos planos para o final do ano lectivo que agora se avizinha. Margarida, finalista do ensino básico, sonhou com a viagem, o baile e tinha planos para o Verão com os amigos. Já Henrique deixou a cartola, a bengala, o laço e as fitas na loja e terminou o seu curso superior sem direito a festejos, em vez disso viu o Orfeão Universitário do Porto online, sentado em frente ao computador. Mas a pandemia da covid-19 não obrigou apenas estes finalistas a ficar com a vida em suspenso. Todos os finais de ciclo, do pré-escolar ao superior, são assinalados com celebrações, de modo a que se fechem portas, a que se ajude — sobretudo os mais pequenos — a compreender a mudança, o crescimento e a evolução. 

As festas de finalistas, bailes, viagens ou bênçãos e queimas das fitas “são rituais de encerramento de ciclos, são rituais de quem se prepara para entrar numa nova fase da vida”, define a psicóloga Sofia Ramalho, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), reconhecendo que a ausência destes momentos é razão de frustração para estudantes e famílias. 

“É importante encerrar ciclos e nós gostamos de o fazer. Dá sentido a uma parte da nossa vida”, afirma a especialista em psicologia da educação. No entanto, do ponto de vista psicológico, “a questão social, da valorização e celebração pública da conquista tem mais impacto” nos estudantes. São os alunos mais velhos que sentem um “impacto muito mais forte”, até porque “estão mais conscientes dos seus percursos”. 

“Eu e os meus colegas tínhamos muitos planos para o final deste ano. É triste perceber que nada disso se vai realizar e que não há nada que eu possa fazer”, revela Teresa Aguiar, 17 anos, aluna na ES Antero de Quental, em São Miguel, Açores. No final do Verão, muitos estudantes açorianos deixam as ilhas para ingressarem em universidades no continente, Teresa, que vai concorrer à Universidade dos Açores, avança que tal vai acontecer com cerca de 90% dos seus amigos. “Não vamos ter direito a grandes despedidas”, confessa enquanto lhe começa a falhar a voz. “Falamos uns com os outros e é como se sentíssemos um vazio, como se faltasse alguma coisa que nós nem sabemos o que é porque nunca o experienciámos.”

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Para Teresa Aguiar, de 17 anos, há um vazio deixado pelo cancelamento das celebrações Hugo Moreira

Sem despedidas

“Sinto-me triste, frustrada, revoltada. Sinto muita coisa ao mesmo tempo”, resume Júlia Botelho, 20 anos, finalista do curso de Psicologia, na Universidade dos Açores. A estudante micaelense refere que a participação na Bênção das Pastas seria um dos pontos altos da semana. ​Henrique Tomé, 20 anos, finalista do curso de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, fala num sentimento de alguma estranheza e tristeza, mas, ao mesmo tempo, de muita união. Todos os anos, os estudantes percorrem a baixa da cidade em celebração, mas, este ano “isso acabou por ficar perdido.”

Estes rituais também são importantes para os mais novos. As festas de finalistas no ensino pré-escolar servem não só para memória dos pais, mas também para “uma melhor adaptação dos filhos a um novo contexto, porque percebem melhor que existe uma transição”, explica a vice-presidente da OPP. Já na passagem do 4.º para o 5.º ano há, por exemplo, a alteração da monodocência para um sistema com mais professores, o que pode acarretar alguma ansiedade.

Aos 6 anos, os gémeos David e Diogo estão a terminar o ensino pré-escolar na EB Nº2 da Cova da Piedade, em Almada. Perdida ficou a festa de final de ciclo. A mãe Paula Mendes, admite que esta seria uma forma de fechar este capítulo, tanto para os filhos como para os próprios pais, sobretudo porque os pequenos “vão para uma fase diferente da vida deles”. O mesmo acontece com Íris, 9 anos, que, quando começou o 4.º ano, mostrava-se muito contente por ser finalista na EB Marco Cabaço, na Charneca da Caparica. Com a pandemia a meter-se no meio, a mãe Inês Ribeiro considera “ingrato” que os “meninos não tenham a oportunidade de uma festa de despedida e não possam celebrar como mereciam o final desta caminhada de quatro anos”. Os professores, acrescenta, também tiveram “um grande choque”. 

No Externato Luso-Britânico, em Lisboa, os cerca de 120 alunos do jardim-de-infância e do 1.º ciclo também não terão direito a grandes despedidas. Para já, está cancelada a viagem de finalistas, um fim-de-semana fora com as professoras; e o arraial de fim de ano, em que as famílias se juntam na escolar, conta Maria João Oliveira. Contudo, a directora abre a hipótese a uma “celebração simbólica” para a entrega dos diplomas de finalistas. “Temos a sorte de ter um espaço exterior bastante grande e talvez consigamos pôr as famílias dos alunos do 4.º ano a dois metros de distância”, diz. O sentimento de tristeza estende-se aos professores que estão de “coração partido”. 

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Paula Mendes com os filhos David e Diogo que vão continuar na mesma escola Rui Gaudêncio

Adiar a festa

O cancelamento dos planos para os finalistas veio “destroçar” as expectativas no Colégio Atlântico, no Seixal. Com estudantes que vão da creche ao secundário, a escola tem por hábito promover várias viagens para os diferentes anos de escolaridade, conta Vítor Pereira, membro da direcção, acrescentando que também não haverá espectáculos nem baile para os finalistas. “Já andávamos a pintar cenários, os miúdos prepararam danças para apresentarem aos pais, mas nada disso será possível”, refere. “O que podemos prometer é que a próxima festa que eles fizerem será de arromba, para compensar”, sublinha entre risos.

“Apesar de podermos participar no [cortejo] do próximo ano, seria completamente diferente”, lamenta Henrique, o finalista de Comunicação do Porto. Também para Júlia estes momentos, que são meramente simbólicos, fazem falta para o encerrar de capítulos.“Não é por não haver cortejo que não acabo a licenciatura, mas psicologicamente faz muita diferença. É um marco em que as pessoas se despedem de uma fase da sua vida juntamente com quem a viveram”, justifica Henrique. “Todo o percurso da licenciatura não foi fácil para mim e esta semana académica representava o atingir de um objectivo juntamente com quem me acompanhou desde o início”, refere a estudante açoriana.

A cartola, bengala, laço e fitas do portuense ficaram na loja. “Nem o kit de finalista tenho e só vou comprar quando se justificar”, conta. As fitas de Júlia também ficaram na gaveta. “Eu não consegui distribuir nem metade das que queria”, conta entre um riso frustrado. “Tudo isto foi muito repentino e sinto que há colegas que eu não vou voltar a ver”, suspira.

O presidente da Federação Académica do Porto garante que “os finalistas não foram, de todo, esquecidos”. Se por um lado, Marcos Alves Teixeira teve a “certeza” que teriam de cancelar a Queima das Fitas; por outro, a certeza agora é que “quando houver possibilidade e condições” será encontrada uma solução para os finalistas. Só ainda não sabe qual.

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Júlia Botelho, de 20 anos, não conseguiu entregar as tradicionais fitas de finalista Hugo Moreira

Porém, as expectativas relativamente à possível concretização desses momentos noutras datas são diferentes para Júlia e Henrique. No caso do aluno do Porto, a postura assumida entre os colegas é de esperança, que “as coisas vão ser adiadas, mas vão acontecer”. Há o sentimento de que vão “acabar por comprar o kit de finalista e escrever nas fitas uns dos outros” e que agora é apenas o “atrasar desse processo”. “Estamos a tentar aguentar o sentimento de sermos finalistas durante mais uns meses”, diz sorridente. Questionado se considera ir à Queima no próximo ano, Henrique responde: “Eu não considero, eu tenho a certeza de que vou juntamente com todos os meus amigos!” 

Já a estudante açoriana revela que o sentimento de tristeza é comum entre os seus amigos. Entre os planos para a semana académica estaria o baile e dentro do guarda-roupa está a recordação do que não vai viver: “Já tinha o vestido comprado. Agora está aí fechado.” E para o ano? “Só se fosse para usar o vestido!” Júlia defende que “não seria a mesma coisa” e acrescenta numa voz triste: “A minha oportunidade já passou.”

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Henrique Tomé, 20 anos, imagina-se a festejar no próximo ano Paulo Pimenta

A psicóloga Sofia Ramalho lembra que estas celebrações podem ser feitas mais tarde e isso pode ajudar a atenuar o sentimento de perda a quem parece que foi retirado um momento importante do seu período académico. Porém, admite que “se a celebração ocorrer mais à frente, já se vai misturar com a nova etapa em que a pessoa se encontra e já não vai significar o mesmo”.

Novas etapas

Março foi o mês em que Margarida Maia, 15 anos, se despediu dos amigos da EB Quinta de Marrocos, em Lisboa, sem saber que jamais os veria fisicamente até ao final do ano lectivo. E assim vai terminar o 9.º ano sem a viagem de finalistas programada para Montargil, nem o baile de finalistas. “Tínhamos isto planeado há muito tempo e ficámos muito tristes quando soubemos que não iria ser possível”, confessa. 

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Inês Ribeiro ainda não sabe em que escola ficará a filha no próximo ano Daniel Rocha

Com o Verão chegariam os festivais de música que serviriam também para se despedirem, já que no 10.º ano as escolhas de áreas de estudo os separariam. Margarida sonha com arquitectura e terá de ir para uma nova escola. Embora receosa, sente-se ansiosa por regressar às aulas. “Estou em casa há muito tempo e já ansiava ir para o 10.º ano.”

Há cerca de cinco anos, Teresa, a terminar o 12.º ano, viu a irmã aproveitar o seu ano de finalista entre viagens e festivais de Verão. “O meu pai disse-me que tenho o direito a estar frustrada porque sabe que serão, ou melhor, seriam experiências novas que eu nunca vou ter”, conta. Por isso, sente-se ligeiramente confiante com o ingresso no superior. “O confinamento pode fazer com que a minha adaptação à universidade seja mais fácil porque vamos estar com uma grande sede de socialização e não vou estar tão inibida”, conclui.

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