Bares e discotecas dizem-se ignorados pelo Governo e pedem apoio para o sector

Foram dos primeiros a fechar portas e não vislumbram possibilidade de as reabrir. Empresários admitem lucros avultados, mas falam em situação de sufoco. “Tenho honrado os compromissos, mas se continuar assim vai ser difícil”, diz um deles. Só no Porto, há 1200 empregos directos no sector

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No Porto há cerca de 100 bares e discotecas Paulo Pimenta

Os 12 funcionários do Café Lusitano, no Porto, estão em casa há mais de dois meses, em layoff, e o proprietário do espaço não tem “nenhuma perspectiva” de reabrir a casa, admitindo mesmo a possibilidade de o fazer apenas quando houver uma vacina para a covid-19. “Estou a tentar pagar a todos, mas vamos ver quantos meses vou conseguir”, afirmou, numa conferência de imprensa convocada pela Associação de Bares da Zona Histórica o Porto (ABZHP) onde foram pedidos apoios e se apontou o dedo ao executivo de António Costa. “Os governantes desprezaram esta actividade. Nunca esteve na agenda”, acusou António Fonseca, presidente da ABZHP.

O sector vai enviar uma carta ao Governo esta quinta-feira, com um pacote de medidas que poderiam salvar bares e discotecas. Só no Porto, há cerca de 100 espaços e 1200 postos de trabalho directos - para além de empresas de segurança e limpeza, por exemplo, indirectamente ligadas ao ramo. Os empresários pedem a isenção de todos os pagamentos à Segurança Social e Finanças (com excepção do IVA), a isenção da Taxa Social Única para os anos de 2020 e 2021 e um apoio a “fundo perdido da verba correspondente aos salários dos postos efectivos durante o período mínimo de nove meses, desde que os postos de trabalho à data do encerramento se mantenham”.

Na lista de sete medidas, está ainda uma “extensão do prazo de contrato de arrendamento” e uma “moratória de todos os créditos por um período mínimo de 18 meses”, assim como a passagem do IVA dos 12 para os 7%, uma luta com já 15 anos. Para diminuir as despesas, os empresários sugerem ainda que deixe de ser obrigatório contratar uma série de serviços legislados, desde que não esteja em causa a segurança dos clientes, como os direitos conexos e direitos de autor para a música ouvida nestes espaços.

O sector dos bares e discotecas, em muitos casos dependentes do turismo, foi dos primeiros a fechar portas quando o novo coronavírus se instalou em Portugal. Até agora, disse António Fonseca, estiveram “silenciosamente” a suportar as dificuldades, naquele que se previa ser “o melhor ano de sempre”. Mas, sentindo-se “ignorados” pelo Governo, decidiram agora reivindicar. Falta “apoio a fundo perdido” e “diálogo” com quem está no terreno e falta “respeito” pela actividade” e “pelos empresários que reabilitaram edifícios” e dinamizaram a economia.

E em tempos de pandemia - onde diversos casos de violações dos direitos dos trabalhadores têm sido denunciados pelo Sindicato de Hotelaria do Norte, que estranha o facto de um sector com “fabulosos lucros acumulados" se diga agora incapaz de dar resposta -, quantos despedimentos houve nos bares e discotecas do Porto, questionou o PÚBLICO. A resposta de António Fonseca foi categórica: “Ninguém foi despedido.”

O presidente da ABZHP, e também da união de freguesias do centro histórico do Porto,​ diz ter pedido uma reunião à Direcção-Geral de Saúde (DGS) há 15 dias, mas não ter qualquer resposta. Como podem bares e discotecas voltar a funcionar com um vírus altamente contagioso ainda activo é, para já, uma incógnita. “Vamos dar sugestões”, apontou, “mas primeiro queremos ouvir”.

“Só quero reabrir quando o movimento o justificar”

Para Mário Carvalho, do Café Lusitano, onde decorreu a conferência de imprensa, o negócio de bares e discotecas é “a antítese do distanciamento social, local de afectos e relacionamentos” e, por isso, o momento é de “insegurança e incerteza”.

O sector da restauração tem autorização para reabrir na próxima segunda-feira, dia 18, embora com uma ocupação limitada a metade do espaço e cumprimento de distanciamento entre lugares. Mas para Carlos Magalhães, empresário com restaurantes, bares, esplanadas e alojamentos locais, sobretudo na zona histórica do Porto, o momento ainda não chegou. “Só quero reabrir quando o movimento o justificar”, admitiu.

Com os espaços encerrados há dois meses e meio, deixou 80 trabalhadores sem emprego, em situação de layoff. “Tenho honrado os compromissos, mas se continuar assim vai ser difícil.” As contas já foram feitas: “Comparado com o [mesmo período do] ano passado, deixei de facturar 1,2 milhões de euros”, afirmou, acrescentando que em rendas paga “30 mil euros por mês”.

Manuel Carvalho não revelou as contas feitas, mas ao ouvir falar do valor da facturação de Carlos Magalhães há um ano, 1,2 milhões de euros, admitiu “estar melhor”. Proprietário da Taberninha do Manel, no cais de Gaia, e também de vários negócios de hotéis e alojamento local, entrou em layoff e deixou em casa 25 funcionários. “Poupei, mas vejo-me em dificuldades. Não vou descapitalizar e vender prédios para pagar ao pessoal, é ilógico.”

Já no final de Março, contou o empresário, pôde assistir ao “caos” instalado no Brasil, quando o país governado por Jair Bolsonaro estava ainda longe da situação actual. “Fui logo para a casa de praia para não me chatear. Estou com medo.”

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