Covid-19: O mundo dos influencers mudou? Para as marcas só sobrevivem os que se adaptarem

O confinamento fez aumentar a presença nas redes sociais, mas também trouxe desafios para os criadores de conteúdos.

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O consumo de redes sociais como YouTube e Instagram em Portugal aumentou entre "20% e 30%" Francisco Romao Pereira

Com o confinamento obrigatório por causa da pandemia de covid-19, o trabalho a partir de casa tornou-se norma para muitos portugueses, incluindo os criadores de conteúdos para as redes sociais e os influenciadores que ganham a vida a partir dos vídeos e das publicações em plataformas como o YouTube ou Instagram. A nova realidade fez repensar em novas formas de alimentar os seus canais, mas também trouxe desafios quanto aos objectivos comerciais.

Embora Alice Trewinnard, Bárbara Corby e Bernardo Almeida, os influenciadores com quem o PÚBLICO falou, neguem que o interesse das marcas tenha caído, quem trabalha na área afirma que a chegada da pandemia veio colocar todo o sector em pausa. “As marcas retraíram-se”, declara Francisco Morgado Véstia, manager da Samy Road em Portugal, empresa que trabalha soluções de marketing junto de criadores digitais. Salvador da Cunha, CEO da Lift, agência que se dedica ao influencer marketing, diz que os directores de marketing “decidiram cancelar tudo o que estava a ser organizado” enquanto “tentavam perceber o que se passava”. Também Miguel Raposo, consultor de marketing, conta que “todas as campanhas em que estava a trabalhar pararam na primeira semana”, ou seja, em Março.

Embora ainda não seja possível ter noção das perdas do sector, Miguel Raposo revela que há exemplos de empresas de maiores dimensões que “de repente, reduziram os orçamentos mensais de um milhão de euros para pouco mais de 15 mil euros”. Isso fez com que “muitos influenciadores, com a reacção das marcas, acabassem por aceitar preços ridículos”, o que tem um efeito mais geral no próprio mercado.

Com o início do desconfinamento, já este mês, apesar dos investimentos ainda não terem regressado aos níveis anteriores à pandemia, nota-se uma melhoria, até porque “os directores de marketing tentaram entender como é que as pessoas andam a consumir conteúdos e perceberam que, sobretudo nesta altura, há uma oportunidade de comunicação através dos influenciadores”, avança Francisco Morgado Véstia.

Adaptar as mensagens

Se antes do anúncio da pandemia, o tipo de conteúdos eram mais ligeiros, depois disso houve uma preocupação dos criadores em ter “alguma prudência e pudor em comunicar mensagens estritamente comerciais num período em que as pessoas estavam de facto assustadas”, revela o responsável da Samy Road. O CEO da Lift concorda e acrescenta que tem havido uma preocupação em “promover muito mais as atitudes das empresas e a forma como estas, com os seus produtos, podem ajudar a economia, mais do que promover produtos per si”.

Tendo em conta as dificuldades financeiras de muitas famílias portuguesas, Miguel Raposo diz que “estar a promover a compra de produtos supérfluos pode não ser muito bem visto”, e exemplifica: “No caso dos embaixadores de marcas de automóveis, fazer uma publicação a dizer que têm saudades de voltar a andar no seu carro não faz muito sentido.”

Se é verdade que o tráfego nas redes sociais tem aumentado consideravelmente ao longo destes meses de confinamento — entre YouTube, Instagram e outras redes, “tudo aumentou 20% ou 30%, mesmo em Portugal”, avança Miguel Raposo —, o mesmo não se traduz em crescimento para todos os criadores de conteúdos. A pandemia veio mostrar “quem são os bons criadores de conteúdo. Quem se soube reinventar, cresceu e vai sair disto mais forte. Os que estavam habituados a fazer viagens e fotos com roupas e não sabem fazer mais nada foram os que não conseguiram aumentar”, analisa.

Aliás, para Salvador da Cunha, da Lift, começa a sentir-se “o fenómeno de as pessoas estarem um pouco fartas” dos conteúdos produzidos por alguns influenciadores “que não têm cuidado e criatividade no que produzem”. Ainda assim, Francisco Morgado Véstia salvaguarda que há bons exemplos: “Os directos de Bruno Nogueira no Instagram, por exemplo, que chegam a ter mais de 60 mil utilizadores a ver em simultâneo, são, provavelmente, um dos maiores fenómenos digitais que já aconteceu nesta geração e isso só sucedeu porque estamos mais disponíveis para consumir redes sociais.”

Tik Tok pode ser “um mercado gigantesco”

Apesar do seu crescimento em Portugal não ter sido uma surpresa completa, não era fácil prever que o Tik Tok se tornaria “numa das redes de 2020”, explica Salvador da Cunha. Agora, “é preciso que as marcas tenham criatividade suficiente para saber penetrar nesse mercado sem serem intrusivas”, diz.

Na verdade, “já há marcas que, nos últimos orçamentos, têm pedidos para entrar no Tik Tok”, conta Miguel Raposo, admitindo que sempre foi da opinião que “o Tik Tok era uma rede social que não ia passar dos mais novos”, embora admita que “para as marcas que têm um target até aos 25 anos, têm lá um mercado gigantesco”.

O futuro da publicidade nas plataformas digitais não voltará a ser o mesmo, sublinham os profissionais. “Acredito que o marketing de influência vai ter um aumento muito grande depois da pandemia”, afirma Miguel Raposo. Afinal, “apostar num influenciador que chega a 20 ou 30 mil pessoas é mais barato do que colocar um outdoor [na rua] que chega ao mesmo número”. Contudo, as marcas “vão ter cada vez mais cuidado com quem as representa”, salvaguarda.

Francisco Morgado Véstia confirma que a pandemia veio “virar do avesso” as prioridades publicitárias das empresas. “Uma marca bastante digitalizada, em Portugal, poderia investir no máximo 25% do seu orçamento em publicidade nos meios digitais, e isso é um bolo que inclui redes sociais, influenciadores, etc.”, explica. Em tempo de pandemia, “essa forma de comunicação rivaliza com a televisão nas prioridades dos directores de marketing” revela. No entanto, o crescimento vivido durante a pandemia não irá durar para sempre.

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