O novo normal em educação

Não faltam textos sobre as mudanças que esta pandemia provocará ou que já está a provocar na educação e nas escolas.

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Tiago Lopes

Num relatório de 2019, ainda sem a covid-19 no horizonte, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) afirma que as alterações climáticas e a desigualdade são os desafios mais urgentes do nosso tempo. Esta ideia pode ser encontrada em muitos outros relatórios, por exemplo, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e da Organização dos Estados Iberoamericanos (OEI).

Contrariamente à atual pandemia, que tem um ciclo previsível no tempo, com consequências devastadoras em todos os níveis da sociedade, o clima e a desigualdade serão problemas ainda mais sérios, para os quais não existe uma vacina, tão-só uma ação humana adequada e uma consciência planetária, a tal nova ética de responsabilidade para o futuro, de que nos fala o sociólogo Ulrich Beck, em Sociedade de risco mundial. Em busca da segurança perdida.

Não faltam textos sobre as mudanças que esta pandemia provocará ou que já está a provocar na educação e nas escolas. Conforme a área do conhecimento de quem escreve assim são identificadas essas mudanças, umas mais imediatas, outras mais a longo prazo, umas mais otimistas e outras mais pessimistas.

E pur si muove. Esta frase pode ser aplicada ao que está em curso na educação e que, mesmo contraditada, é suficientemente forte, desfazendo cenários mais negativamente radicalizados.

As escolas não estão encerradas. Também não estão suspensas as atividades letivas. O currículo moveu-se para o online, com iniciativas muito diversas, desde o #EstudoemCasa até às aulas e atividades à distância. São dinâmicas bastante interessantes, ainda que sejam atividades de médio prazo.

Porém, a pandemia acelera uma mudança que já estava em curso. Na educação formal, ao nível da escolaridade obrigatória, não se vislumbra uma outra normalidade, havendo o regresso ao “novo normal”, que já estava em curso e que foi antecipado pelo Relatório Delors Educação. Um tesouro a descobrir, de 1996, nestas palavras: “à educação cabe fornecer, dalgum modo, a cartografia dum mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita navegar através dele.”

O novo normal é a bússola de aprendizagem. Enfatizando a educação como processo de promoção do bem-estar das crianças e dos jovens, a OCDE, no Relatório Bússola de Aprendizagem 2030, aborda a construção dos ambientes de aprendizagem do futuro. Aliás, e partindo de diferentes imagens de salas de aula, respetivamente dos séculos XIX, XX e XXI, a OCDE tem em curso a construção de um referencial para um novo quadro pedagógico nos modos de ensinar e aprender, através de um currículo não linear, dinâmico e flexível, e com foco na aprendizagem personalizada. A relação das crianças e dos jovens como a tecnologia na sala de aula ou em casa, para atividades escolares, está a mudar de modo muito significativo, mais ainda quando o acesso a esses recursos for generalizado e democrático, para que ninguém fique para trás por motivos socioeconómicos.

Por outro lado, no mesmo documento, a OCDE usa a expressão “o novo normal em educação”, no pressuposto de que as inovações de hoje se tornam, frequentemente, no lugar-comum de amanhã.

Mas, para tal, a mudança deve implicar um maior envolvimento educativo das partes interessadas, a valorização do desempenho escolar e da aprendizagem holística, bem como a promoção do bem-estar na escola e na sociedade, e a atribuição de um papel mais dinâmico aos professores e aos alunos.

Ou seja, a nova normalidade não surge com esta pandemia, sendo apenas acelerada pelas necessidades imediatas a que a mesma obriga em termos escolares. O seu contexto é o das tecnologias digitais, em que a aprendizagem personalizada das crianças e dos jovens é sinónimo de autonomia de trabalho e de ação deliberada.

Mais do que isso, a agência das crianças e dos jovens – e também dos adultos noutros contextos de educação — está relacionada com o desenvolvimento de uma identidade e de um sentimento de pertença, num contexto de coagência, em que cada pessoa assume uma ação fundamental numa educação voltada para os problemas atuais, e que bem pode ser uma alteração a promover na organização do currículo.

Se a pandemia passa, a desigualdade e as alterações climáticas ficam como problemas complexos a serem resolvidos no quotidiano das nossas vidas, tendo as escolas um papel ativo nesse grande desafio, que é simultaneamente individual e coletivo.

José Augusto Pacheco

Docente da Universidade do Minho.

Membro do Conselho Consultivo da OEI.

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