O arrendamento depois da covid-19

A covid-19 veio evidenciar as fraquezas do alojamento local, um negócio montado apressadamente, ocasional e sem a mínima estrutura profissional e económica para resistir ao menor embate e a uma drástica redução do turismo de agenda e de monocultura económica em muitas cidades.

Este artigo aborda a relação do Alojamento Local (AL) com o mercado de arrendamento e a necessidade cada vez mais evidente de revogar a legislação existente e elaborar outra que regule este mercado.

As consequências da covid-19, sociais e económicas, o confinamento, primeiro, o estado de emergência depois, vieram pôr a nu as fragilidades, a insegurança e a desregulação do mercado de arrendamento.

O Alojamento Local (AL) surge como resposta a problemas socio-economicos que a troika provocou a muitas famílias deixando-as à beira da insolvência.

Muitas delas viram no AL a possibilidade de ceder um quarto ou parte de casa para conseguir alguma verba que lhes desse a possibilidade de resistir a tamanha tragédia que então se vivia.

A dinamização do AL e a sua procura por uma significativa parte de turistas não foi inicialmente bem recebida pelo setor hoteleiro, por considerarem haver conflito de interesses, situação que veio a ser ultrapassada devido à elevada dimensão que o setor turístico atingiu posteriormente. Esse aumento muito significativo do turismo também influenciou o desenvolvimento do AL, que é alvo de uma grande procura por parte dos turistas em geral.

Em resultado da pandemia, foram tomadas várias medidas necessárias que implicaram em confinamentos e numa enorme redução de movimentação das pessoas. Em consequência, o turismo em geral entra em crise e com fortíssima incidência no turismo de habitação, o designado AL.

Assim, evidenciam-se as fraquezas deste negócio montado apressadamente, ocasional e sem a mínima estrutura profissional e económica para resistir ao menor embate, quanto mais a um embate da dimensão provocada por esta pandemia e a uma drástica redução deste turismo de agenda e de monocultura económica em muitas cidades.

Eis, portanto, uma súbita e também apressada tendência para se alterar o uso turístico do Alojamento Local para o arrendamento habitacional, de que muitos apartamentos tinham sido retirados, de modo a que os operadores turísticos mantenham algum rendimento dos seus locados.

Realçamos três aspetos deste novo desvio de uso turístico (AL) para o arrendamento habitacional que nos levam a refletir.

O primeiro respeita à qualidade da reabilitação efetuada e à dimensão dos apartamentos desviados para o uso turístico, cujo único critério era o de por a render o mais depressa possível. Quem esteve atento a este fenómeno, sabe que muita da reabilitação efetuada foi apressada e de pouca qualidade, disfarçando e tapando mazelas estruturais e funcionais dos apartamentos, utilizando em larga escala materiais pouco resistentes, coisa de pouca monta para os turistas que iriam utilizar, sucessivamente, umas breves noites esses espaços. O que se pretendia era faturar o mais rapidamente, e o máximo possível, aproveitando o surto turístico.

O segundo respeita à dimensão dos locados, sabendo-se que muita dessa reabilitação alterou as funcionalidades e as dimensões dos apartamentos, reduzindo-os para acolherem mais turistas, não se preocupando com as necessidades de uma família com uma vivência quotidiana mais prolongada, além da qualidade do locado para esta forma de utilização. Se o espaço de uma casa já era de grande importância para a vivência de uma família, agora tem uma importância acrescida face ao confinamento em que somos obrigados a viver neste período. Portanto, como muitos dos apartamentos destinados ao alojamento turístico não oferecem as necessárias condições espaciais, número e dimensão de quartos e salas, e funcionais, cozinhas e casas de banho, ir-se-á colocar para muitos uma nova intervenção nos apartamentos de forma a torná-los habitáveis para as famílias. O que não significa não haver a necessária diversidade da oferta para a diversidade da procura.

O terceiro, e o mais importante, respeita às condições e preço do arrendamento que estes novos senhorios se propõem praticar. Em primeiro lugar, se esta disponibilidade não será apenas momentânea e de curto prazo mantendo a expetativa de retornar à atividade turística logo que possível ou se, em segundo lugar, será mesmo uma opção séria de alteração de uso. O que nos coloca, então, as condições contratuais e o valor das rendas. Quanto à relação contratual, importará verificar se continuará a estar assente numa utilização de natureza diária, sem qualquer compromisso, ou se será assente num contrato de arrendamento escrito, por um prazo razoável que garanta estabilidade ao inquilino e rendimento certo e prolongado ao senhorio e manifestado na Autoridade Tributária. Quanto às rendas, importará verificar se terão valores comportáveis ou se manterão valores assentes na especulação. Mesmo que baixem alguma coisa, convém ter presente que os rendimentos de muitas famílias também se reduziram. Portanto, essa relação poderá manter um caráter especulativo.

Considerando o exposto, poderemos afirmar que o mercado de arrendamento, ou qualquer outro, não se auto regula. Pelo contrário. Logo tem de ser regulado e fiscalizado, e deveria sê-lo em primeira linha pelos municípios.

Verifica-se uma carência de habitação pública, uma ausência e atraso de medidas que disponibilizassem muita da propriedade pública existente para a sua utilização no arrendamento, em vez da sua alienação.

Releva a necessidade de constituir bolsas para arrendamento, alocando propriedade pública, numa primeira fase, e agregar depois propriedade não pública, por exemplo de IPSS e fundações.

Por fim, realçamos uma vez mais a urgência em revogar a legislação do arrendamento, desadequada e avulsa, e discutir e elaborar uma nova legislação que regule o mercado de arrendamento, que obrigue ao registo em plataforma eletrónica de todos os locados destinados ao arrendamento, os já arrendados e os disponíveis, que garanta segurança e prazos razoáveis para o arrendamento e a sua continuidade, que introduza uma fiscalidade adequada a esta atividade económica e social, em suma, que credibilize e estabilize o mercado de arrendamento.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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