Só (vinho) em casa: o álcool é o teu companheiro em tempos de isolamento social?

O contexto pode mudar, mas a motivação para o consumo de álcool mantém-se e, em alguns casos, ajusta-se às novas circunstâncias. Continuamos a beber por prazer, para fugir ao quotidiano, para marcar o final de mais um longo dia, para nos ajudar a relaxar, mas também para lidar com ansiedade provocada pelo isolamento.

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Carson Masterson/Unsplash

Vivemos um momento excepcional na nossa existência enquanto civilização. O abrandamento e confinamento que nos foram impostos não resultam em acalmia, principalmente para quem se habituou a viver um quotidiano acelerado. Agora coabitamos com a nossa esfera pública e privada no mesmo espaço, o que contribui para uma maior pressão e sobrecarga mental e emocional.

À medida que o isolamento social se prolonga, mais os seus efeitos se fazem sentir. O medo, a incerteza, o tédio, o desencanto, intercalam-se com o optimismo, a confiança e a esperança, num modus vivendi caracterizado por altos e baixos.

Mas nestes tempos tão desafiadores, nem tudo é sério. Ao mesmo tempo que circulam notícias que disparam os nossos níveis de stress, são também partilhados conteúdos humorísticos que nos ajudam a ventilar alguma da ansiedade acumulada pela privação. Vídeos, coronamemes, ilustrações e gifs inundam as nossas redes sociais, parodiando os nossos padrões de comportamento em contexto de isolamento social. Para além do inexplicável acumular de rolos de papel higiénico, o consumo de álcool é também um tema recorrente nos inúmeros conteúdos humorísticos que circulam online.

Mas que papel poderá ter o álcool no actual contexto de crise? E o que acontece agora, quando muitos estabelecimentos vocacionados para o lazer e a socialização nocturna se encontram encerrados?

A Kosmicare está a tentar responder a estas e outras questões através de um estudo que pretende avaliar os impactos das medidas de contenção da covid-19 nocconsumo de álcool e outras substâncias em países do sul da Europa, realizado em parceria com a equipa espanhola Energy Control e a italiana Progetto Neutravel. O questionário pode ser preenchido aqui.

Alguns estudos têm concluído que o aumento dos níveis de stress em contextos de crise e pós-crise (guerra, crise económica, epidemia VIH) se relacionam com o aumento da prevalência e frequência de consumo de álcool e com a adopção de padrões de consumo de álcool mais nocivos ou problemáticos.

Adicionalmente, num contexto em que se prevê que as substâncias que circulam nos mercados informais de drogas se encontrem menos acessíveis, para algumas pessoas, o álcool pode também assumir-se como uma alternativa legal para relaxar, descomprimir e aceder a estados alterados de consciência.

O consumo de álcool parece prevalecer, mas os contextos e rituais de consumo ajustaram-se às novas circunstâncias.

Trocamos os bares e as ruas por um consumo dentro de casa. As jantaradas com amigos/as foram substituídas por brindes e happy hours no ZoomDançamos de copo na mão enquanto ouvimos um DJ em streaming e fingimos que a nossa sala é uma pista de dança.

A indústria também se adaptou a este novo panorama. Surgem novas aplicações de entrega de bebidas alcoólicas em casa, campanhas de marketing onde é possível comprar vouchers de rodadas para utilizar no futuro e os habituais patrocínios a concertos e DJ sets , agora online, que não nos deixam esquecer qual é a nossa marca de álcool preferida.

O contexto pode mudar, mas a motivação para o consumo de álcool mantém-se e, em alguns casos, ajusta-se às novas circunstâncias. Continuamos a beber por prazer, para fugir ao quotidiano, para marcar o final de mais um longo dia, para nos ajudar a relaxar, mas também para lidar com ansiedade provocada pelo isolamento.

No entanto, em isolamento, surgem alguns riscos que importa considerar. Na actual conjuntura, os padrões de consumo esporádico de álcool podem converter-se em consumos mais continuados e potencialmente mais problemáticos e nocivos. Adicionalmente, consumos excessivos podem resultar em intoxicações agudas (conhecidas por comas alcoólicos) que se tornam particularmente perigosas quando o consumo é feito sozinho/a e com os serviços de urgências sobrecarregados.

Ainda assim, e reconhecendo que um copo de vinho possa, por vezes, ser a companhia perfeita neste momento que estamos a atravessar, deixamos algumas estratégias para reduzires os riscos e tornares a tua experiência mais prazerosa.

Preparativos:

  • compra menos bebidas alcoólicas de cada vez; além de poupares algum dinheiro, é uma forma de moderares o teu consumo em casa;
  • escolhe um momento no dia ou na semana para consumir álcool e torna este momento especial e não uma rotina. Evita beber enquanto estás a trabalhar ou se tiveres de fazer uma tarefa importante nas horas seguintes;
  • define um limite; decide a quantidade máxima de copos que vais beber naquele dia;
  • define dias sem álcool durante a tua semana;
  • alimenta-te bem antes de começares a beber.

Durante:

  • começa a beber mais ao fim do dia;
  • alterna bebidas alcoólicas com água ou outras bebidas não alcoólicas; isto vai ajudar-te a manter os níveis de hidratação, permitindo que os sintomas de ressaca sejam menores;
  • evita consumir mais de duas unidades de bebida em menos de três horas; uma unidade de bebida padrão são cerca de 10 gramas de álcool. Ou seja, uma unidade de bebida é equivalente a duas minis (de 20cl com, 6% de álcool), um copo de vinho (de 10 cl com 12% de álcool) ou 3 cl de uma bebida destilada com 40% de álcool;
  • evita misturar álcool com outras drogas; quando misturamos diferentes substâncias, os riscos aumentam;
  • opta por beber só  um tipo de bebida; evita misturar diferentes bebidas alcoólicas na mesma ocasião.

De ressaca?

  • dorme bem e cuida de ti; mantém a tua rotina de sono e dorme as horas necessárias para o teu corpo recuperar (entre sete a nove horas);
  • opta por uma alimentação saudável; apesar de te apetecer comer toda a fast food disponível para encomenda, opta por uma alimentação rica em verduras, fruta e muita água. Vai ajudar a reduzir os sintomas da ressaca;
  • pensa sobre os teu consumos de álcool. Estás a beber mais frequentemente? Estás a beber uma quantidade de álcool superior à que consumias na tua vida pré-coronavírus? Achas que esses consumos estão a interferir com as tuas rotinas e com o teu bem-estar?

Se achas que precisas de ajuda para gerir os teus consumos de álcool, lembra-te que a Kosmicare tem disponível uma Consulta Online de Aconselhamento Psicológico e Redução de Riscos, gratuita e confidencial. Agenda a tua consulta escrevendo-nos para consultas@kosmicare.org.

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