Um quarto das empresas sem liquidez para um mês de salário

Estudo revela que 25% das empresas não têm caixa ou depósitos para um salário em caso de paragem total. Alojamento e restauração são os sectores mais enfraquecidos.

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LUSA/MÁRIO CRUZ

Não manter muito dinheiro em caixa ou em depósitos bancários não é necessariamente um mau sinal para uma empresa. Tudo depende do modelo de negócio, da situação patrimonial, do mercado. Porém, quando há uma paragem total, como aconteceu nesta pandemia em alguns sectores, cobrir despesas como salários exige disponibilidades imediatas. E, segundo um estudo publicado esta segunda-feira, um quarto das empresas portuguesas não é capaz de pagar sequer um mês de salário, se as receitas desaparecerem.

Numa análise a mais de 100 mil empresas, Nuno Tavares e Gabriel Osório de Barros, do Gabinete de Estudos e Estratégia (o GEE) do Ministério da Economia, concluem que 25% só têm liquidez, em caixa ou no banco, para no máximo saldar 24 dias de remunerações.

Até 50% das 118.644 empresas observadas conseguem garantir até 2,5 salários em caso de paragem total, porque no segundo quartil se encontram empresas com maiores disponibilidades que puxam o resultado para cima.

Porém, se olharmos para os 5% e 10% com menor liquidez, verifica-se que há quase 6000 empresas que não conseguiriam pagar sequer dois dias de salário e quase 12 mil empresas só poderiam pagar seis dias de salário.

Nuno Tavares, um dos autores do estudo, diz ao PÚBLICO que estes resultados, conjugados com outros indicadores das empresas portuguesas, sugerem que há razões para acreditar que há numerosos negócios em risco de desaparecerem.

“Pretendíamos mostrar a capacidade de as empresas garantirem o pagamento de salários num cenário extraordinário como o que estamos a viver. Num cenário de quebra da procura interna e externa, que nalguns sectores é total, conjugado com um baixíssimo nível de capitalização das empresas portuguesas, adivinha-se um cenário difícil para muitos. O encerramento compulsivo deixou muitas empresas sem receitas”, afirma Nuno Tavares.

De acordo com o Banco de Portugal (dados de 2018), 26,2% das empresas nacionais têm capital próprio negativo, ou seja, o conjunto dos activos não chegam para cobrir as responsabilidades (passivo). Além disso, 36,7% já tinham, nesse ano, resultados negativos. E 14,5% não conseguem gerar dinheiro suficiente na sua actividade para cobrir os custos de financiamento. “Se agora ficaram sem receitas, se estão descapitalizadas e, por outro lado, não têm acesso a financiamento, ou já apresentam níveis elevados de endividamento, é inevitável que correm o risco de desaparecerem”, conclui Tavares.

As opções metodológicas impedem que a “fotografia” feita com base nos balanços das empresas portuguesas (dados de 2017) possa ser comparada com a realidade de outros países, sublinha o mesmo investigador. Ao invés, é possível comparar as empresas portuguesas por dimensão e por sector económico.

Por tamanhos, verifica-se que as grandes empresas são as que têm menos disponibilidade imediata. As 25% com menos dinheiro em caixa só conseguiriam pagar seis dias de salário, ao passo que com a ajuda das tesourarias mais robustas até 75% das grandes empresas conseguiriam pagar até 3,8 meses de salário.

Já nas pequenas empresas, as piores pagariam entre 24 e 27 dias, ao passo que com as tesourarias mais fortes até 75% conseguiriam pagar quase 7,6 meses de salário.

Isto não significa que as pequenas empresas estão melhores do que as grandes, porque como se disse e como anota Nuno Tavares, o tamanho da tesouraria não é um indicador que, de forma isolada, permita concluir se uma empresa está bem ou mal. Pelo contrário, existe até pelo menos um estudo que mostra que há uma correlação positiva entre elevada disponibilidade e dificuldade de acesso ao crédito. Por outras palavras, nas pequenas empresas há mais dinheiro em caixa, porque não há fontes de financiamento alternativas, ao passo que as grandes empresas dispensam grandes caixas, porque têm diferentes instrumentos para gerir a vida financeira.

Por sectores de actividade, o alojamento e a restauração (que são dos mais afectados nesta pandemia) surgem mais enfraquecidos. Sem outras receitas, a caixa e depósitos bancários dariam para pagar 12 a 13 dias de salários nas 25% empresas mais debilitadas. Até metade destas sociedades poderiam pagar no máximo 36 dias (1,2 meses de salário) e com a ajuda das melhores até 75% seriam capaz de assumir quase três meses.

No extremo oposto está o comércio, que teria disponibilidade para assegurar até 1,39 salários nas empresas mais enfraquecidas e 10,1o salários, contando até 75% das empresas incluídas nesta amostra.

Para Nuno Tavares, a vantagem deste trabalho é que ele permite a decisores políticos calibrar a velocidade de execução de medidas como o layoff ou o acesso a crédito para tesouraria. Se não for possível celeridade para todos, com estes dados poderia ser dada prioridade às empresas e sectores com maiores fragilidades, aponta.

A lentidão tem sido o calcanhar de Aquiles dos mecanismos criados pelo Governo para lidar com a crise empresarial, segundo diferentes confederações patronais, que se queixam de uma excessiva demora no pagamento de apoios e na obtenção de créditos com garantia pública junto da banca.

O ministro de Estado e da Economia pediu mesmo desculpa, na semana passada, pela incapacidade da Segurança Social em pagar os apoios do layoff todos em Abril, sabendo-se que nesta terça-feira termina o processamento da primeira leva de apoios.

Quanto aos créditos, de acordo com a Confederação Empresarial de Portugal, dos quase 17 mil empréstimos para tesouraria aprovados até 30 de Abril, apenas 505 foram efectivamente pagos – números que a secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, confirmou parcialmente na segunda-feira à noite, na RTP1.

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