O luto em dias de pandemia: “É uma partida que não existe”

A suspensão de visitas a lares e hospitais não permitem acompanhar os familiares na doença, e as cerimónias fúnebres sem cortejo ou missa dificultam o luto de quem perde entes queridos.

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As cerimónias fúnebres estão condicionadas desde 19 de Março Nelson Garrido

A perda de um familiar ou amigo é sempre um período difícil e delicado para qualquer um. Mais ainda nos tempos atípicos de um país e mundo em estado de emergência no qual a necessidade de mitigar a propagação do vírus obriga a um adeus distante que ainda acentua mais a saudade. Ainda assim, quem fica guarda sempre memórias, e a partilha das recordações ajuda a homenagear quem partiu.

A despedida fria e “horrível” foi o momento que mais marcou Natália em todo o processo “em termos emocionais”. O funeral da sua mãe, Maria Afonso, foi “muito chocante” por “não haver cerimónia”, com um cemitério fechado, sem flores a alegrar campas. “É uma partida que não existe. Entrou o meu irmão, passados cinco minutos entrei eu, com muita distância. Só fomos sete pessoas”, conta. A falta de toques de conforto entre os que enfrentam a perda e o tempo sem poder visitar a mãe​ nos dias que antecederam a morte tornam mais difícil o momento do luto.

Natália não deixa de recordar a vida da mãe, “a matriarca da família”, presente sempre que os filhos precisavam – teve quatro – e que ajudava muito os seis netos (que lhe deram quatro bisnetos). Todos os domingos organizava almoços de família, e desde o falecimento do marido que visitava os filhos para fintar a solidão.

Era uma pessoa de ficar por casa, e desde nova que gostava muito de bordar. Natália recorda que a mãe manifestou várias vezes tristeza por nenhuma das filhas ter aprendido a arte.

Nasceu em Chaves a 17 de Janeiro de 1929, mas desde nova foi viver para o Porto com a família. Ao longo da vida, foi acompanhando o marido, ferroviário, pelos vários sítios a que a ascensão na profissão o levou. Conheceu-o, aliás, através do pai, também ferroviário.

Maria Afonso vivia há dois anos numa residência sénior em Ermesinde, para onde tinha ido quando começou a apresentar alguns sinais de demência.

Foi submetida a testes para covid-19 apesar de não ter apresentado sintomas, depois da confirmação de um primeiro caso no lar. O resultado veio positivo, e uns dias depois Maria Afonso foi levada para o hospital depois de ter tido um AVC. Ainda voltou ao lar, quatro dias depois, mas acabou por falecer em 3 de Abril.

Para Maria do Carmo, a morte da mãe, Isabel Faustino, foi uma situação “muito cruel”. “Não a pude ver, não me despedi”, conta a filha. A parte mais difícil foi a falta de uma despedida decente, devido às restrições impostas pelo estado de emergência.

Isabel Faustino, de 77 anos, ficou infectada no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho (no antigo Hospital Eduardo Santos Silva), onde já estava internada desde 24 de Fevereiro devido a uma infecção numa perna. A família tinha informação diária sobre o estado de saúde da mãe e pôde visitá-la até 7 de Março, dia em que o Governo suspendeu visitas a lares e hospitais.

Em 27 de Março, Maria do Carmo recebeu uma chamada da Direcção-Geral de Saúde a informar que a mãe tinha tido um teste com resultado positivo para covid-19. Desde esse dia, a família não conseguiu saber de mais nada sobre o estado de saúde da mãe até 31 de Março, menos de 24 horas antes de receberem a chamada a confirmar o falecimento, na manhã de 1 de Abril.

Isabel Faustino nasceu em Vila Nova de Gaia a 20, de Novembro de 1942, e viveu toda a vida em Grijó. Mãe de sete filhos, trabalhou toda a vida como doméstica, chegando a ter de levar consigo os filhos pequenos enquanto andava na lavoura.

Na memória dos sete filhos (que lhe deram também 12 netos e cinco bisnetos), fica uma mãe que dizia ter uma vida que “dava para um romance”, sempre uma boa pessoa e pronta a dar “a sua própria camisa” para ajudar os outros, descreve Maria do Carmo.

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