Dia 30: Adoptar um cão também é educar os filhos

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, separadas pela quarentena, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Não acredito, Ana!

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Foste buscar um cão ao canil, ensandeceste? Agora tenho de somar a Amora à lista de motivos de insónia, se já foi às vacinas, se tem chip, se a levaram a passear à rua. Repete-me lá aquele mantra do “Os avós não têm de salvar os filhos dos netos”, e acrescenta-lhe “E da cadela, do gato e da tartaruga”. Se me ligas a dizer que a criatura também não dorme a noite inteira, passo-me.

E, por favor, não me digas que vocês eram três, fora os primos que viviam lá em casa, e que tínhamos dois cães, porque não me esqueci. Lembro-me bem de estar grávida de nove meses de ti — exactamente, de nove meses — e descer uma ladeira a meio da noite para ir buscar o Tristão a casa de uma vizinha (uma incursão para visitar as galinhas dela!).

Parei por uns instantes de dedilhar, inspirei fundo e, mais calma, quero saber: as miúdas estão a adorar? Já dorme aos pés delas — não me digas que “nunca” vai dormir, porque daqui deste lado estou a contar os dias até isso acontecer!


Querida Mãe,

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Tentei correr, como tínhamos combinado! Mas percebi que precisávamos mais de companhia, do que de exercício físico. Agora como, afinal, fui eu que fiquei com o cão, a mãe é que vai ter de ir às maratonas.

Vou ignorar o seu pequeno ataque de pânico e começar com as coisas boas... A Amora é mesmo querida. Já é adulta, não faz xixi dentro de casa e dorme a noite toda. É de longe a minha filha mais obediente – provavelmente porque não fui eu que a eduquei! E, pense pelo lado positivo, é mais uma neta, mas eu não estou grávida. Sei que isso a vai reconfortar.

Para além de todas as coisas maravilhosas que a Amora trouxe – incluindo uma ajuda gigante a tirar os miúdos dos ecrãs e a brincar no jardim —, a aventura de a ir buscar a um canil trouxe imensas perguntas sobre a adopção, que acabaram em conversas profundas. Elas queriam saber o que leva uma pessoa a abandonar um cão, e daí foi um saltinho para o que leva uma mãe a abandonar um filho. Quiseram saber como são os “orfanatos”, para lá do que conhecem do filme da Annie, que adoram ver consigo, e como é que se adopta em Portugal.

E falámos nos princípios da educação. Como se “treina” um cão, e que tipo de regras decidimos ter para a Amora. Onde pode e não pode entrar. Uma defendeu acerrimamente a “disciplina positiva”, chocada com os conselhos de um livro que recomendava bater levemente no focinho quando o cão faz algum disparate, enquanto a outra não questionava o método, mas preocupava-se sobre como é que a faríamos perceber que uns erros eram mais graves do que os outros.

Depois de uma manhã a darem-lhe recompensas sempre que ela se sentava, vieram a rir às gargalhadas contar-me que agora ela se sentava sempre que as via, na esperança do prémio. E só isso deu uma conversa enorme sobre a motivação “extrínseca”.

Fiquei a pensar como os miúdos têm mesmo uma capacidade gigantesca de aprender sobre o mundo através de um interesse. De como as pedagogias que partem de um projecto e de qualquer coisa que realmente lhes importa, conseguem (se forem bem implementadas) transmitir conteúdos de uma forma muito mais aprofundada e que não desaparece, mal são descarregados num teste.

Enfim, o meu marido goza comigo porque diz que eu não consigo “só ter um cão” e acabo a filosofar sobre tudo! Talvez tenha razão – quem sai aos seus...


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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