Covid – A retoma na Saúde

Chegou o momento de pensar sobre como vamos reverter esta situação e retomar a normal actividade de prestação de cuidados de saúde. Quatro pressupostos são por demais evidentes.

A pandemia covid-19 invadiu verdadeiramente a vida de todos nós. Fruto de um conjunto de factores, muitos dos quais ainda não entendidos ou avaliados, a situação em Portugal parece ter estabilizado, sem que, no entanto, se tenha iniciado uma verdadeira descida. Esta é uma tendência a que se tem assistido desde o início de Abril e que parece manter-se durante mais de três semanas. Permitindo olhar para o início de Maio com esperança acrescida.

Durante dois meses, o panorama da prestação de cuidados de saúde alterou-se profundamente: o foco em tratamento de doentes covid aumentou e os doentes não covid passaram a segundo plano. Desceram as urgências, as vias verdes, os acidentes, a vacinação. Os doentes ganharam medo de recorrer aos serviços de saúde e muitos recusaram mesmo assistência médica.

Atingimos, pois, um turning point em que o preço de não retomar a actividade clínica normal é superior ao risco de o fazer.

Chegou assim o momento de pensar sobre como vamos reverter esta situação e retomar a normal actividade de prestação de cuidados de saúde. Quatro pressupostos são por demais evidentes:

  1. Não há ciência exacta construída sobre o tema. Existem opiniões, pistas, experiências. As publicações científicas verdadeiramente rigorosas e honestas afirmam a dificuldade em produzir afirmações definitivas ou com um alto nível de evidência;
  2. Há que evitar o exagero, o desvario e o irracional. Muitas das propostas que têm vindo a público não são suportadas em qualquer evidência e muitas delas resultam de artigos sensacionalistas ou fake-news;
  3. Há que afirmar que duas medidas, por demais estabelecidas, são verdadeiramente essenciais: o uso de máscara e o distanciamento social;
  4. A segurança de profissionais e de doentes é um imperativo.

E, então, como devemos atuar para fazer retomar a actividade clínica para valores normais?

Em termos gerais há que garantir:

  • Comunicar a toda a população que é seguro voltar às unidades de saúde. Comunicar, comunicar, comunicar. Informar, informar, informar. Envolvendo a população enquanto parte da solução e não como se de um castigo se tratasse;
  • Definir que a retoma tem de ser gradual e avaliada e monitorizada permanentemente. Um sistema de informação que permita dados rigorosos é essencial. Numa avaliação de como avança a situação do covid e a do não covid;
  • Preparar a retoma garantindo que a qualquer momento pode ser necessário voltar atrás; manter todos os circuitos covid em atividade ou com plano de reativação imediato;
  • Manter circuitos claros e distintos para doentes covid e não covid;
  • Reforçar o papel e a atuação dos Grupos Locais do Programa de Prevenção e Controlo de Infecções e Resistência aos Antibióticos (PPCIRA);
  • Perceber que cada unidade hospitalar tem uma realidade própria que deve ser devidamente avaliada e atuar em conformidade;
  • Pensar, reflectir, analisar e preparar hoje o amanhã e as etapas seguintes.

Que escolhas devemos fazer?

  • O que se deve privilegiar? A opção deve ser a prioridade clínica e não o foco na batalha da produção e dos números administrativos;
  • Qual a atividade clínica prioritária? A cirúrgica. Todos os documentos internacionais o privilegiam, o defendem e o justificam;  
  • Que regras para a retoma da atividade cirúrgica? Organizar os mapas operatórios por ordem de prioridade, garantindo circuitos, patamares de segurança no bloco operatório e recobro e a tipificação covid de todos os doentes. A cirurgia de ambulatório tem defensores para o seu arranque, em especial a que é feita sem pernoita; 
  • Quais as patologias prioritárias? Claramente as oncológicas. Diagnóstico, estadiamento e tratamento não podem parar. E aproveitar as próximas semanas para avaliar as patologias que se devem seguir;
  • Como se devem organizar os internamentos? Mantendo a separação de covid e não covid, mantendo circuitos diferentes e garantindo as distâncias mínimas entre camas de acordo com aquilo que são as normas já estabelecidas pelos Grupos Locais do PPCIRA;
  • Como vão funcionar as consultas externas e os hospitais de dia? Avaliar clinicamente as atividades que devem ocorrer com presença física e as que podem ocorrer por teleconsulta ou com envio de medicamentos para farmácias de proximidades. Pensos, vacinas, entre outros, têm de ser retomados;
  • E como retomar a realização de meios complementares de diagnóstico? Aumentar a realização de MCDT, de acordo com as prioridades dos doentes e gerindo melhor os agendamentos e as distâncias de segurança em salas de espera. Há que assegurar a recuperação de todos os meios complementares cancelados, adiados ou não agendados durante este período;
  • As equipas devem manter-se iguais? Há que reajustar os recursos humanos, quer no que reporta às equipas médicas quer às de outras classes profissionais. Durante este período foram criadas várias equipas multidisciplinares e mobilizaram-se outros profissionais que importa agora realocar. E muitas das equipas que estão em plano de contingência devem ser progressivamente reorganizadas;
  • Devemos adotar os testes rápidos? Apesar de ainda nem tudo se saber sobre eles há que permitir a sua entrada, em especial na admissão de doentes em serviço de urgência que necessitem de admissão a cuidados intensivos ou ser sujeitos a cirurgia urgente;
  • E o que fazer com o sistema convencionado? Este sistema garante a prestação de cuidados, em especial a nível dos cuidados de saúde primários. A sua paragem poderá trazer consequências graves e indesejáveis. Há que definir como vão funcionar e o nível de prestação de cuidados que eles devem garantir;
  • E as visitas? Por muito difícil que seja, esta suspensão deve manter-se por mais tempo e não deve ser para já alterada. Para bem de todos.

Podemos, pois, avançar para um cenário em que a retoma comece em início de Maio. Que seja permanentemente avaliada. Que se estabeleçam ciclos de 14 dias, entre os quais se pode avançar de forma segura. Sabendo que podemos ter pistas, mas que dificilmente teremos certezas tão cedo.

Vamos a isto. Os nossos doentes precisam de nós e precisam de acreditar que vamos atuar em segurança. Vamos fazer o que sabemos fazer: cuidar.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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