Classificação do Estádio Nacional dá um passo atrás

Câmara de Oeiras reclamou da zona de protecção definida pela DGPC e foi-lhe dada razão. Grande projecto para a foz do Jamor não esteve em risco, mas a tutela queria garantir “a coerência de abordagens numa área sensível”

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O court central de ténis faz parte do projecto original do Estádio, construído nos anos 1940 Nuno Ferreira Santos

O processo de classificação do Estádio Nacional deu esta quinta-feira um passo atrás com a publicação em Diário da República de um despacho do Ministério da Cultura que elimina a Zona Especial de Protecção Provisória (ZEPP) e obriga a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) a entender-se com a Câmara de Oeiras sobre essa área ou a desistir dela.

Quando a DGPC inicia o processo de classificação de um qualquer imóvel pode definir uma zona de protecção mais vasta do que a automaticamente concedida. Foi isso que aconteceu no caso do Estádio Nacional, mas com um problema: a lei diz que a criação de uma ZEPP tem de ser articulada com a câmara municipal da zona – e isso não aconteceu. A Câmara de Oeiras reclamou, um jurista deu-lhe razão e a secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural mandou retirar a zona especial da equação.

O efeito imediato desta decisão é que apenas fica em vigor a Zona Geral de Protecção (ZGP), uma área de 50 metros em redor de uma parte do Complexo Desportivo do Jamor, que é obrigatória por lei. Os efeitos futuros ainda são uma incógnita. A ZEPP definida pela DGPC abrangia uma área muito vasta entre a A5 e a margem do Tejo, para onde estão previstos grandes investimentos imobiliários. A zona especial não os suspendia, mas dava à DGPC um papel mais activo na sua apreciação. Agora, segundo o despacho da tutela, direcção-geral e município têm 45 dias para se entender sobre se fixam uma nova zona especial e com que dimensão ou se se mantém apenas a zona geral.

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À esquerda, a zona especial definida pela DGPC no ano passado; à direita, a zona geral em vigor a partir de agora DR

Só depois disso é que processo entra na segunda fase, em que se decide que tipo de classificação conceder – há quatro categorias – e a Zona Especial de Protecção (ZEP) permanente. Em teoria, a fixação da ZEP acarreta restrições urbanísticas e arquitectónicas para toda a área abrangida.

“​Áreas estritamente essenciais”​

O despacho da secretária de Estado adjunta, Ângela Ferreira, já é de Fevereiro, mas só esta quinta saiu em Diário da República. O PÚBLICO procurou perceber junto da DGPC e da Câmara de Oeiras se ambas as entidades já discutiram o assunto, mas não obteve resposta em tempo útil.

O Estádio Nacional passou a estar “em vias de classificação” no Verão passado, momento em que também a ZEPP foi definida. Pouco depois, a Câmara de Oeiras apresentou um recurso em que pedia a anulação da zona especial – por não ter sido consultada e porque, argumentava, a ZGP era o mais “adequado no caso do Estádio Nacional, na medida em que no sítio a classificar já se encontram abrangidas áreas de enquadramento e outras, como parques de estacionamento, que conferem desde logo uma significativa amplitude à área a classificar”.

Caso esse pedido não vingasse, o município pedia uma redefinição da ZEPP “por forma a excluir as áreas comprometidas através de planos municipais de âmbito territorial e outras edificações em curso”. Dentro daquela zona estavam locais onde a autarquia quer construir acessos viários (rotunda, viaduto, etc.) e toda a área do polémico Plano de Pormenor da Margem Direita da Foz do Rio Jamor, 27 hectares para onde estão projectados grandes edifícios de habitação, escritórios e comércio.

“Parece inequívoco que a DGPC não articulou com a câmara quer a necessidade de uma ZEPP quer a sua dimensão”, concluiu um consultor do Centro de Competências Jurídicas do Estado, a quem o Ministério da Cultura pediu parecer. “Trata-se de uma constatação relativamente surpreendente quer porque a exigência legal não suscita quaisquer dúvidas quer porque foram mantidos contactos, a tal propósito, com outras entidades públicas e privadas”, lê-se no documento.

Ainda assim, o jurista António Duarte de Almeida faz notar que a definição da zona especial por si só “não implica a suspensão” das operações urbanísticas em curso “nem impede a execução do Plano de Pormenor da Margem Direita da Foz do Jamor” – para tal acontecer, isso teria de estar explícito no despacho inicial.

Na resposta à reclamação da autarquia, a DGPC justifica que o Estádio Nacional e todo o complexo envolvente são “uma obra de excepção no panorama português” devido à “harmonia conseguida com a paisagem” e que a criação da ZEPP teve em conta valores “paisagísticos e cenográficos”, entre outros. O organismo escreve mesmo que nessa zona incluiu apenas as “áreas estritamente essenciais à salvaguarda dos valores em presença”, como as “dinâmicas ambientais e antrópicas locais”, as “panorâmicas abertas, eixos visuais e a qualidade da paisagem marginal e florestal”, qualidades “de forma alguma redutíveis ao complexo”.

A zona especial proposta, alega a DGPC, estava “vocacionada para a coordenação das intervenções”, para assegurar “a coerência de abordagens numa área sensível”, “a qualidade visual da paisagem em que se insere o Estádio Nacional” e a “adequação de intervenções pela promoção de soluções coerentes de elevada qualidade”.

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