Cientistas franceses querem avaliar efeitos do tabaco na covid-19

Quando tiverem autorização, os investigadores vão administrar diferentes dosagens de nicotina em adesivo em três ensaios clínicos para saberem qual o seu efeito na covid-19.

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O novo coronavírus SARS-CoV-2 NIAID/RML

Cientistas em França estão a planear testar adesivos de nicotina em doentes com covid-19. A ideia para estes ensaios clínicos surge depois de um estudo num hospital em França sugerir que há um baixo número de fumadores entre os doentes com covid-19. Mas, tal como médicos e outros investigadores destacam, esta é uma relação não provada e deve alertar-se que o tabaco danifica os pulmões e tem outros efeitos nefastos graves na saúde.

Um estudo feito no Hospital La Pitié-Salpêtrière, em Paris, questionou 480 doentes com covid, sendo que 350 deles estavam hospitalizados. Viu-se que 4,4% dos doentes hospitalizados eram fumadores regulares. Dos que estavam em casa, 5,3% fumavam. Como tal, os autores do estudo (disponível em pré-publicação no site Qeio) que há uma baixa percentagem de fumadores entre os infectados. Citando outros estudos, a agência de notícias AFP refere que a taxa de doentes com covid-19 hospitalizados varia entre 1,4 e 12,5%.

Questionado pela agência Lusa sobre esta hipótese, o pneumologista Filipe Froes disse achar estranho, “para não dizer surreal”, porque até hoje “nenhum estudo demonstrou a eficácia do tabaco em qualquer infecção respiratória”.

“Nesta fase de tentativa de conhecimento sobre a covid-19 há estudos que não seguem metodologias correctas e que tiram conclusões precipitadas. Assistimos nos últimos meses a estudos cujos resultados não se confirmaram”, disse o especialista, dando como exemplo um sobre a eficácia da hidroxicloroquina, que não veio a confirmar-se.

O pneumologista acrescentou: “Nesta altura a necessidade de divulgar conhecimento científico faz com a revisão e o rigor sejam mais frágeis”, o que faz com que todos os dias surjam “estudos milagrosos” apesar de nada se ter provado até agora.

Jean-Pierre Changeux, conhecido neurocientista do Instituto Pasteur, citado pela agência AFP, sugere que a nicotina, ao ligar-se ao receptor celular usado pelo coronavírus, poderá impedir ou reter a fixação do vírus. O cientista sugere ainda que a nicotina pode diminuir a reacção exagerada do sistema imunitário do corpo nos casos mais graves de covid-19, escreve o jornal The Guardian.

No entanto, a hipótese da nicotina está por provar, sendo importante haver ensaios clínicos. Quando tiverem autorização, os investigadores vão administrar diferentes dosagens de nicotina em adesivo em três ensaios no Hospital La Pitié-Salpêtrière.

Os médicos ouvidos pela AFP salientam que estes estudos não devem incentivar as pessoas a fumar ou a usar adesivos de nicotina, e lembram que fumar danifica os pulmões. Filipe Froes adianta ainda que há “demasiada especulação para os curtos meses que a doença tem”, e adiantou: “Valoriza-se o que se quer ouvir para se fazer o que se quer fazer.”

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