A Europa a braços com outro dia D

Ninguém espera que o Conselho Europeu que hoje começa a discutir um plano para a recuperação do continente devastado pelos efeitos da covid-19 chegue de repente a grandes conclusões. Mas espera-se ao menos um sinal.

A União Europeia regressa hoje ao ensaio que há-de desenhar o seu futuro. Ninguém espera que o Conselho Europeu que começa a discutir um plano para a recuperação do continente devastado pelos efeitos da covid-19 chegue a de repente a grandes conclusões. Mas espera-se ao menos um sinal.

O que esta quinta-feira se disser, como se disser, o que se concordar ou se divergir abrirá portas para se antecipar o futuro e perceber se a Europa se reencontra com a sua história, ou se, pelo contrário, se condena ao regresso ao seu passado tumultuoso. Tanto como questões de dinheiro, que contam, ou desconfianças entre estados-membros, que existem, o Conselho de hoje servirá para começarmos a perceber se ainda há, ou não, aquele espírito de compromisso e solidariedade que os seus fundadores ambicionaram e as gerações seguintes foram capazes de aprofundar.

Face ao tumulto que se gerou no Eurogrupo do final de Março e à azeda troca de mimos que se seguiram, o cenário hoje parece mais distendido. Em dias, aprovou-se um plano com 540 mil milhões de euros. A emissão de eurobonds foi enterrada pela intransigência da Alemanha, dos Países Baixos ou da Áustria, o que, sendo mau, permite ao menos um novo foco de discussões sem a infecciosidade da mutualização da dívida.

As posições extremas da Itália e dos Países Baixos sobre a natureza do plano não se aproximaram, mas há sinais claros de que a Alemanha e a França estão mais perto de um compromisso solidário. O plano apresentado pela Espanha, que prevê um fundo de 1.5 mil milhões de euros, pode ajustar-se às teses dos que defendem um reforço do orçamento da União para 2% do rendimento nacional bruto para alavancar emissões obrigacionistas da Comissão Europeia. Entre os que defendem apenas subvenções aos países mais aflitos e os que patrocinam apenas a concessão de empréstimos parece também haver uma aproximação.

As pressões em favor de um plano solidário são hoje mais fortes do que os receios chauvinistas destinados a calar a extrema-direita em vários países. Quando vemos importantes think tank como o Bruegel a defender a mutualização da dívida, quando um jornal alemão com a importância da Der Spiegel afirma que a “recusa alemã dos eurobonds é insolidária, mesquinha e cobarde”, percebemos que há um sentimento europeu que resiste e pode fazer frente aos nacionalismos anti-europeus que têm prevalecido.

Tudo isto, claro está, são pistas de leitura que não contemplam o ancestral cinismo dos estados. Depois de hoje poderemos perceber se fazem sentido, ou se não passavam de um desejo dos que acham que a Europa sem a União será um mundo muito pior.

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