A resposta africana à covid-19

No seu desejo de ter uma abordagem concertada com representantes do sector privado africano, a missão dada pela União Africana aos seus emissários consiste em solicitar apoio ao G20, à União Europeia e a outras instituições financeiras internacionais.

A União Africana (UA), através da voz do seu presidente em exercício, o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa, decidiu organizar-se para falar a uma só voz às instituições e aos actores privados do mundo financeiro internacional. No dia 12 de Abril nomeou quatro enviados especiais de alto nível, de acordo com o comunicado de imprensa, para “mobilizar apoio internacional aos esforços de África para enfrentar os desafios económicos que os países africanos enfrentarão após a pandemia de covid-19”.

De facto, a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, ex-Directora-Geral do Banco Mundial e ex-ministra das Finanças da Nigéria, o costa-marfinense Tidjane Thiam, que dirigiu, de 2015 a Fevereiro de 2020, e que acima de tudo arrumou o Credit Suisse, um dos bancos de investimento mais lucrativos e importantes do mundo, o ruandês Donald Kaberuka, ex-presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e ex-ministro das Finanças de Ruanda e o sul-africano Trevor Manuel, ex-ministro das Finanças da África do Sul, têm todos reconhecida experiência internacional e uma rede de contactos invejável que serão úteis para a África neste momento.

Cyril Ramaphosa afirmou que «a nomeação de enviados especiais aceleraria o processo de obtenção de apoio económico para permitir que os países do continente respondessem rapidamente a essa emergência de saúde pública. Eles trazem consigo experiência e desfrutam de relações de longa data na comunidade financeira internacional». O presidente sul-africano mostrou a sua subtileza - entende a necessidade de fazer uso de africanos competentes, que conhecem o mundo e os seus códigos e que têm uma rede de contactos, esse precioso elo que mistura amizades políticas, relações comerciais e pessoais, para atingir o seu objectivo.

Claramente, no seu desejo de ter uma abordagem concertada com representantes do sector privado africano, a missão dada pela União Africana aos seus emissários consiste em solicitar apoio ao G20, à União Europeia e a outras instituições financeiras internacionais. A UA espera, portanto, que esses organismos apoiem as economias africanas, que enfrentam sérios desafios económicos, com um pacote abrangente de estímulos, incluindo pagamentos diferidos de dívida e juros.

A nível interno, um Fundo de Resposta africana à covid-19 foi criado com o Centro Africano de Controlo e Prevenção de Doenças (África CDC), uma instituição técnica especializada da União Africana, e o The AfroChampions Initiative, um projecto dedicado à mobilização de fundos de investimento para permitir a emergência de campeões económicos africanos, do qual fazem parte o empresário nigeriano Aliko Dangote, considerado o homem mais rico de África, o ex-presidente da Nigéria, Olusegun Obasanjo, e o ex-presidente da África do Sul, Thabo Mbeki. No documento que trata dessa parceria, lemos que visa arrecadar um montante inicial de 150 milhões de dólares americanos, para necessidades imediatas de prevenção de transmissão, e tem o objectivo de arrecadar até 400 milhões.

Esse dinheiro permitirá reunir os recursos necessários ao fornecimento de material e produtos médicos e apoiar a implantação de respostas rápidas em todo o continente, bem como fornecer apoio socioeconómico às populações mais vulneráveis. Esse Fundo é um instrumento financeiro que visa mobilizar e gerir fundos provenientes do sector privado africano principalmente. As suas acções prioritárias incluirão a compra e distribuição de equipamentos essenciais para o diagnóstico, tratamento e protecção do pessoal médico, bem como a implementação de uma vasta campanha de sensibilização sobre a prevenção junto das populações africanas.

Além da resposta médica, parte dos fundos arrecadados servirá para apoiar as comunidades mais frágeis nos países menos desenvolvidos, cujas actividades socioeconómicas foram fortemente impactadas pelas medidas adoptadas para mitigar os efeitos da pandemia. Assim, a União Africana estabeleceu uma estratégia continental comum e criou uma equipa encarregada de coordenar os esforços dos seus Estados membros e parceiros, a fim de garantir a criação de sinergia, o que a Europa não soube fazer, e que a propagação do vírus seja a mais baixa possível. 

Os PALOP são representados por outra personalidade de alto calibre, o bissau-guineense Paulo Gomes, vice-presidente da The AfroChampions Initiative e ex-director executivo do Banco Mundial, que integrou o Comité Consultivo do Fundo. Gomes afirmou que “chegou a hora de África implementar medidas prospectivas. Devemos começar a partir de agora a fortalecer as nossas capacidades em testes de diagnóstico, fabricação de medicamentos e infra-estrutura de saúde. Não apenas o sector privado africano pode contribuir para esse fundo, mas também deve considerar outras acções como campanhas de prevenção nas empresas, redistribuição de linhas de produção para equipamentos e produtos necessários contra a pandemia, optimização da infra-estrutura de transporte e conectividade para atender emergências de saúde”.

Os três primeiros nomes mencionados no início do artigo, Iweala, Thiam e Kaberuka, estão entre as oito personalidades africanas que co-assinaram uma tribuna publicada por Jeune Afrique em 11 de Abril, que pedia “o alívio imediato da dívida dos Estados africanos e uma suspensão de dois anos do pagamento de todas as dívidas externas”. Essas personalidades também afirmaram que «a África precisa de um primeiro apoio financeiro de 100 bilhões de dólares, o que possibilitaria compensar a rápida queda nas receitas públicas devido ao colapso dos preços de matérias-primas, comércio e fluxos turísticos, consequência directa da pandemia. Tanto mais que, ao mesmo tempo, os investidores retiraram os seus fundos de todos os investimentos arriscados, o que mecanicamente fez o preço do dinheiro subir nos mercados financeiros, tornando os empréstimos nesses mercados soluções pouco viáveis. Portanto, não surpreende que as primeiras medidas de apoio financeiro anunciadas pelos governos africanos representem, por enquanto, apenas 0,8% do seu PIB, ou 1/10 dos valores disponibilizados pelas autoridades dos países ricos. E não vamos esquecer que os 100 bilhões mencionados aqui representam apenas ajuda de curto prazo. A longo prazo, as necessidades de financiamento do continente podem chegar até 200 bilhões de dólares norte-americanos».

Este grupo de especialistas africanos reunidos pela União Africana, sem dúvida, também usará toda a sua influência para defender a anulação definitiva da dívida africana. O pedido de anulação de dívidas africanas anda na agenda dos países credores desenvolvidos há três décadas, com processos como os implementados pelo Clube de Paris. O Presidente francês, Emmanuel Macron, assumiu a ideia no seu último discurso televisivo de 13 de Abril, pedindo uma anulação maciça da dívida africana. No dia seguinte, 14 de Abril, o G7 posicionou-se a favor da suspensão do serviço da dívida de 76 países pobres, incluindo 40 da África Subsaariana. E na quarta-feira, 15 de Abril, o G20 tomou a decisão de suspender parcialmente o serviço da dívida de 77 estados de baixa renda, o que representa um valor de 14 biliões de dólares, de um total de 32 biliões.

Mas, para criar essa nova humanidade que desejamos, e se realmente acreditamos nessa onda de solidariedade nascente que a covid-19 está a suscitar, teremos que ir além da suspensão da dívida dos países pobres. Simplesmente terá que ser anulada. Se isso acontecesse, a China, por exemplo, que é membro do G20 e um dos principais credores da África, poderia anular uma dívida de 133 bilhões de euros de empréstimos, segundo os dados do Le Monde.

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