“Em vez de estar em cima do palco, estou nas redes sociais”

Anualmente, o 1.º de Maio leva milhares de trabalhadores às ruas. Este ano, o perigo de contágio com covid-19 desafia os sindicatos a procurarem outras formas de luta.

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Carlos Silva é secretário-geral da UGT desde 2013 Rui Gaudencio

Sem desfiles, sem manifestações, mas com uma luta ainda maior para levar à rua. A duas semanas do Dia do Trabalhador, os sindicatos preparam-se para reajustar as comemorações às restrições impostas. O decreto do terceiro estado de emergência (que vigorará até 2 de Maio) prevê que possam ser feitas celebrações desde que as recomendações das autoridades de saúde sejam cumpridas e desde que exista articulação entre as forças de segurança e os parceiros sociais. As preocupações para com os trabalhadores são feitas em uníssono, mas os planos para o 1.º de Maio dividem-se: enquanto a CGTP manterá algumas acções de rua, a UGT preferiu não arriscar e vai apostar nas redes sociais.

Este será primeiro Dia do Trabalhador que Isabel Camarinha celebrará enquanto secretária-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP). As circunstâncias são extraordinárias, reconhece ao PÚBLICO. “Além do ataque do vírus, há um ataque aos direitos dos trabalhadores que está a ser feito generalizadamente pelas entidades patronais”, acusa. Apesar de ter cancelado desfiles e manifestações que juntam “milhares de trabalhadores”, Isabel Camarinha garante que o dia continuará a ter “bandeiras, intervenção e som” nas ruas, em várias cidades do país, “porque é fundamental dar voz às reivindicações”. “É um reajustamento, mas que garante em absoluto a protecção da saúde de todos”, vincou, adiantando que também a presença nas redes sociais será reforçada. Os pormenores das acções de rua serão definidos na segunda-feira, pela comissão executiva da central sindical.

Do lado da União Geral de Trabalhadores (UGT) não houve hesitações em cancelar os compromissos previstos e adaptar as comemorações da data às actuais circunstâncias. “Não há concentrações nem há desfiles”, resume o secretário-geral da UGT, Carlos Silva, ao PÚBLICO. A razão é simples: “Não há condições para isso.”

Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP, assumiu funções em Fevereiro José Sena Goulão/Lusa
Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP, assumiu funções em Fevereiro José Sena Goulão/Lusa
Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP, assumiu funções em Fevereiro José Sena Goulão/Lusa
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Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP, assumiu funções em Fevereiro José Sena Goulão/Lusa

Todos os anos, a UGT escolhe uma cidade diferente para assinalar a data. Este ano, o destino previsto era Vila Real, em Trás-os-Montes. “Até já tínhamos o artista contratado!” No entanto, os riscos de contágio alteraram os planos da estrutura sindical, ainda antes de ser implementado o estado de emergência.

Não foi preciso o assunto ganhar a proporção que ganhou” para que se decidisse que a prioridade fundamental era “preservar a saúde das pessoas e evitar preocupações e pânico”, sublinha Carlos Silva. Mas nem por isso a data― que este ano “ganha um simbolismo ainda maior” ― será negligenciada.

Trata-se apenas de um reajuste aos novos tempos. “Não vou dizer aos meus colegas para virem para a rua, quando eu subscrevi um documento para nos rodearmos das máximas cautelas na retoma da economia, pedindo que se evitem ajuntamentos e mantenha distanciamento social”, justifica.

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Carlos Silva à saída de um encontro com o Governo José Sena Goulão/Lusa

“Em vez de estar em cima de um palanque ou de um palco, como é habitual, estou nas redes sociais”, simplifica o secretário-geral da UGT. Carlos Silva acredita até que a mensagem irá chegar a mais pessoas do que é habitual. Do palco para as plataformas, a celebração online do 1.º de Maio coloca a UGT “em qualquer parte do mundo”, argumenta. Além de as pessoas estarem interessadas em informar-se junto dos sindicatos sobre os seus direitos, “estão todas agarradas aos computadores em casa, as que estão em teletrabalho, e as que não estão também acompanharão através das notícias e das redes sociais”, vinca o secretário-geral da UGT.

As intervenções programadas para o 1.º de Maio serão colocadas nos sites e nas redes sociais, com a participação de cada um dos grupos sindicais e associados em Portugal. “Vamos fazer o que o país e portugueses têm feito deste o início de Março e aproveitar as ferramentas ao nosso dispor com a digitalização”, desdramatiza Carlos Silva, antes de listar meia dúzia de redes sociais e aplicações de videochamadas que nas últimas semanas têm sido usadas pelos sindicatos.

Carlos Silva está confiante que esta data seja especialmente simbólica e excepcional “até para que a sociedade ganhe consciência da importância de trabalhadores indiferenciados que nem sempre são valorizados”. O secretário-geral afirma ainda que os sindicatos têm tido uma procura acrescida, “o que mostra uma consciencialização de que o movimento sindical faz falta”. “Muitas questões que temos colocado ao Governo é através de pessoas que chegam até nós e nem sindicalizadas são”, diz. “É um balão de oxigénio que mostra a necessidade de existirem sindicatos com responsabilidade”, argumenta o secretário-geral.

Sem descurar as lutas que devem ser feitas no terreno, Carlos Silva desafia a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e da ASAE a sair à rua “para controlar as empresas e os falsos profetas que estão à procura de lucrar com esta crise”. “Aquelas mil inspecções da ACT para detectar irregularidades no mercado de trabalho foram pelo telefone. Não podemos aceitar isso”, considerou. Traçado o desafio à ACT, o secretário-geral da UGT conclui com um compromisso: “No próximo ano, as comemorações retomarão ao palco, em Vila Real”.

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