Saiba se tem de pagar a prestação da creche ou do colégio do seu filho

Cinco especialistas ouvidos pelo PÚBLICO deixam várias dicas para avaliar as especificidades de cada situação e alguns conselhos sobre o que fazer se considerar que a instituição de ensino do seu filho não está a actuar de forma adequada

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Sebastiao Almeida

O encerramento das creches, dos jardins infantis e das escolas privadas determinado pelo Governo devido à pandemia provocada pelo novo coronavírus deixou os menores em casa, mas a maioria das instituições continua a exigir o pagamento das mensalidades aos pais. Muitas estão a oferecer descontos que variam habitualmente entre os 10% e os 20%, sem acalmar as críticas de muitas famílias. Mas afinal o que é que os pais estão obrigados a pagar? A questão é complexa e não tem uma resposta igual para todos os casos.

No entanto, cinco especialistas ouvidos pelo PÚBLICO deixam várias dicas para avaliar as especificidades de cada situação e alguns conselhos sobre o que fazer se considerar que a instituição de ensino do seu filho não está a actuar de forma adequada. Este problema já justificou mais de uma centena de esclarecimentos à Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor - Deco. 

A questão torna-se mais relevante já que ainda nem sequer é certo se este ano alguns menores voltarão à escola. No ensino básico a questão já está fechada: não existirão mais aulas presenciais este ano lectivo. Quanto às creches, o primeiro-ministro António Costa afirmou esta quinta-feira no Parlamento que tem a “ambição de durante o mês de Maio de reabrir as creches para apoiar as famílias”. Mas não há certeza de nada.

Primeiro há que ter em conta que a maior parte dos serviços prestados por estes estabelecimentos privados ou do sector social são sujeitos a contratos e as regras lá estipuladas, em princípio, prevalecem. No entanto, a professora Ana Taveira da Fonseca, vice-directora da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica, nota que normalmente em Portugal não há cláusulas a determinar o que fazer no caso de encerramento forçado das escolas ou creches. “Nunca vi um contrato que abarcasse esta situação, porque questões como esta nunca se tinham colocado. O mesmo não acontece em países como os Estados Unidos em que devido à neve ou aos furacões os encerramentos forçados são mais comuns”, contextualiza Ana Taveira da Fonseca, especialista em contratos. 

Numa coisa todos estão de acordo, os serviços extra, como alimentação, prolongamento do horário ou transportes, não podem ser cobrados porque não estão a ser prestados. A jurista Carolina Gouveia, da Deco, nota que, por vezes, o custo destes serviços está diluído num montante fixo. “Nestes casos, cabe às escolas esclarecer os pais do montante associado a estes serviços e reduzi-los na mensalidade”, sugere. 

Todos concordam igualmente que é preciso distinguir entre os serviços de berçário e creche, que recebem crianças até aos três anos, e o ensino básico e secundário, que começa no primeiro ano e se estende até ao 12.º.

“No primeiro caso oferecem-se essencialmente serviços de guarda e vigilância, que não podem ser prestados à distância”, considera Ana Taveira da Fonseca. O advogado Alexandre Mota Pinto, que coordenou um guia sobre os impactos jurídicos provocados pela crise da covid-19, concorda e defende que, por isso, parece existir uma impossibilidade objectiva do serviço ser prestado, o que faz com que os pais deixem de ser obrigados a pagar a prestação. Ana Taveira da Fonseca subscreve.

Mas mesmo nestes casos há quem defenda que é devida pelo menos uma parte da mensalidade. Carolina Gouveia defende reduções, mas não um corte total da prestação. E explica porquê: “A maioria dos contratos são feitos para um ano lectivo e o custo é dividido por mensalidades para ser mais fácil de suportar para os pais”. Sublinhando que as creches e escolas não fecharam por iniciativa própria, a jurista da Deco sublinha que é preciso bom senso e razoabilidade. O advogado Armindo Ribeiro Mendes, que faz muitas vezes de árbitro em litígios entre privados, considera que a impossibilidade de prestar o serviço é parcial e que “a redução é o mais razoável”. Alexandre Mota Pinto admite que, por vezes, nas creches, podem ser prestados alguns serviços à distância. Mas sublinha: “A prestação principal não é possível, ainda que se possam prestar algumas acessórias por vídeo. Por isso, a redução deve ser pelo menos de 50%.”

O professor catedrático Pedro Romano Martinez, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, defende apenas a redução da prestação, sem falar especificamente da situação dos berçários e das creches. Este universitário defende que existiu uma alteração das circunstâncias que justifica uma modificação do contrato. Lembra que a mensalidade foi fixada em função dos custos da actividade lectiva, em que se incluem, nomeadamente, os salários dos professores e do pessoal não docente, os custos de edifícios, a limpeza, a água e a electricidade. “Sem actividades lectivas presenciais parte destes custos é substancialmente reduzida”, sublinha Martinez. O catedrático entende que a redução da prestação deve reflectir a diminuição dos custos da prestação de ensino à distância e também o benefício obtido pelos alunos com a nova modalidade de ensino. “Ora, atendendo aos níveis de ensino (pré-escolar, básico, secundário e superior), o efeito útil do ensino a distância será significativamente diverso. Isto justifica que a ponderação do valor de redução da contrapartida seja diferenciada em função do nível de ensino”, defende. 

Também Alexandre Mota Pinto, Armindo Ribeiro Mendes e Carolina Gouveia consideram que apesar de as escolas privadas estarem a prestar o ensino à distância isso não invalida que devam reduzir a mensalidade. Ainda que numa proporção diferente das creches ou do jardim infantil, que recebe crianças entre os três e os seis anos. Este último serviço, que se encontra numa situação intermédia, obriga a uma análise caso a caso dos serviços que continuam a ser prestados e dos que se tornaram impossíveis de prestar. A prestação deve ser diminuída em proporção ao que deixou de ser feito. Para esta contabilidade é essencial avaliar igualmente a resposta que a instituição continuou ou não a dar, um factor que deve ser tido em consideração, defende Ana Taveira da Fonseca. Esta especialista é a única a sustentar que se as escolas privadas estiverem a dar as aulas à distância e a cumprir os horários e os programas, não há direito a descontos. “Ainda que o ensino à distância seja mais trabalhoso para os pais, a quem é exigido um esforço extra especialmente no caso das crianças pequenas, o essencial do serviço das escolas está a ser prestado”, afirma. Por isso, defende que a partir do primeiro ano do ensino básico não se justificam reduções. 

Carolina Gouveia aconselha os pais a pedirem às instituições que fundamentem as suas decisões e a percentagem de descontos aplicados. “As escolas devem ser o mais transparentes possíveis e justificar bem os descontos que estão a aplicar”, diz a jurista da Deco, associação que está a tentar mediar cerca de dez casos nesta área e já viu instituições a aplicarem reduções de 50%. Quando a escola não aceitar a pretensão dos pais, aconselha Armindo Ribeiro Mendes, “o ideal é tentar negociar através de uma associação de consumidores ou de uma associação de pais. Sozinhos, o poder dos pais é muito limitado”. Os pais podem simplesmente não pagar e ver o que a escola faz. Mas arriscam-se a ver a matrícula do filho cancelada ou o caso terminar nos tribunais. 

Berçários e Creches

Há especialistas que defendem que, nestes casos, como a presença da criança (até aos três anos) é essencial para a prestação do serviço de guarda e vigilância, é impossível prestá-lo à distância. Logo, a mensalidade não é devida. Também há quem defenda apenas uma redução mais significativa, cuja proporção deve ser avaliada caso a caso.

Jardim de Infância

Este serviço, que recebe crianças entre os três e os seis anos, encontra-se numa situação intermédia: ou seja há serviços que continuam a poder ser prestados à distância e outros que se tornaram impossíveis. A prestação deve ser diminuída em proporção ao que deixou de ser possível fazer, tendo em conta a resposta que a instituição continuou ou não a dar.

Ensino básico e secundário

A maioria dos juristas entende que deve haver uma redução da mensalidade, ainda que menos significativa que nos casos anteriores. Isto porque a prestacão foi fixada em função dos custos da actividade lectiva, em que se incluem, nomeadamente, os salários dos professores e do pessoal não docente, os custos de edifícios, a limpeza, a água e a electricidade. Sem actividades lectivas presenciais parte destes custos são reduzidos, o que deve ser reflectido na prestação. Deve ser igualmente levado em consideração o benefício obtido pelos alunos com a nova modalidade de ensino, que pode ser diferente entre o primeiro ano e o 12.

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