Dança entre estrela e buraco negro dá razão a Einstein. Outra vez

Equipa internacional, que inclui cientistas portugueses, confirma novamente a teoria de Einstein com observações de quase 30 anos de uma estrela em redor do buraco negro no centro da nossa galáxia.

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Ilustração da órbita em forma de roseta da estrela S2 à volta do buraco negro Sagitário A L.Calçada/ESO

Uma estrela e um buraco negro continuaram a sua dança cósmica, enquanto os cientistas continuaram a observar este par por três décadas. A equipa, que passou a incluir físicos portugueses, obteve agora novas confirmações de que a estrela em redor desse buraco negro supermaciço no centro da Via Láctea se movimenta tal como o previsto na teoria da relatividade geral de Einstein.

A estrela é a S2, que faz parte de um aglomerado de estrelas em torno do buraco negro Sagitário A, localizado a 26 mil anos-luz do Sol e que terá quatro milhões de massas solares. Há quase 30 anos que esta dança entre a estrela e o buraco negro é seguida atentamente pelos cientistas, tendo já a equipa que inclui portugueses publicado resultados desta interacção muito especial em 2018, confirmando então certos aspectos da teoria da relatividade geral. Na altura, era a primeira vez que havia medições directas dos efeitos previstos na teoria de Einstein em condições tão extremas como as existentes na vizinhança de um buraco negro supergigante.

Agora Einstein voltou a ter razão. Os novos resultados foram publicados na revista Astronomy & Astrophysics. De Portugal estão envolvidos os físicos Paulo Garcia (da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto), António Amorim (da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) e Vítor Cardoso (do Instituto Superior Técnico, em Lisboa), todos também do Centro de Astrofísica e Gravitação (Centra).

A equipa portuguesa participou nas mais de 330 medições da posição da estrela, bem como na concepção e construção de um instrumento instalado no telescópio VLT, que o Observatório Europeu do Sul (ESO) opera no deserto chileno de Atacama.

Esse instrumento é o Gravity, uma câmara de infravermelhos que combina a luz recebida pelos quatro telescópios que compõem o VLT, permitindo assim obter imagens do ambiente próximo do buraco negro.

O Gravity entrou em funcionamento há cerca de quatro anos, começando a colectar a luz vinda da região central da Via Láctea, difícil de observar devido às poeiras e gases entre nós e essa zona. O alvo era a estrela S2 e o buraco superdenso do centro da Via Láctea, de cuja existência há provas há vários anos.

O efeito (sobretudo) sobre a luz

O Sagitário A começou por ser identificado, na década de 70, como uma fonte de raios X compacta no centro da Via Láctea, entre as constelações de Sagitário e de Escorpião. Ainda que nada consiga fugir de um buraco negro depois de lá ter caído, quando a matéria está a ser engolida ocorre, por exemplo, a emissão de raios X e foi assim que a presença de Sagitário A como um eventual buraco negro foi denunciada. Mas seria mesmo um buraco negro?

A estrela S2 é aqui especial por estar precisamente muito perto de Sagitário A. Por causa dessa proximidade do que, no início dos anos 90 apenas ainda se suspeitava ser um buraco negro supermaciço no centro da Via Láctea, a S2 começou a ser seguida por telescópios do ESO no Chile, bem como no Havai. Em 2002, essa equipa, que já incluía o Instituto Max-Planck para a Física Extraterrestre, apresentava provas na revista Nature que fortaleciam a hipótese de Sagitário A como um buraco negro monstruoso.

É preciso dizer que a S2 demora 16 anos a completar uma órbita a Sagitário A. E que essa órbita é bastante elíptica, ora se aproximando muito do buraco negro, ora se afastando bastante. Na apresentação dos resultados em 2002, a estrela tinha-se aproximado muito do buraco negro. Os cientistas perguntaram-se então, em 2018, quando a estrela estivesse outra vez perto do buraco negro, se haveria equipamentos para testar a teoria da relatividade. Será que a teoria está correcta? Nada melhor que do testá-la em condições extremas como as proximidades de um buraco negro gigantesco.

Ora em 2018 tinham equipamentos mais sofisticados como o Gravity. A 19 de Maio desse ano, a S2 voltou a atingir o seu ponto mais perto de Sagitário A – passando a 20.000 milhões de quilómetros do buraco negro e a sua velocidade aumentou nessa altura, chegando a quase 3% da velocidade da luz.

Apresentados em Julho de 2018, os resultados indicavam que a estrela tem uma órbita apenas explicada pela teoria da relatividade geral. Quando está mais perto do buraco negro, a força gravítica tremenda desse objecto cósmico imprime-lhe mais velocidade; quando se afasta é como se fosse puxada para trás e a tentassem travar, explicava na altura a equipa ao PÚBLICO. Além disso, à medida que a estrela se aproxima do buraco negro, a sua luz sofre um ligeiro desvio para o vermelho gravitacional, dado o enorme campo gravítico existente, um efeito também previsto na teoria da relatividade geral. Por outras palavras, a luz é esticada no sentido de comprimentos de onda maiores, quando a estrela passa perto do buraco negro.

O efeito sobre a órbita

Agora, a equipa confirmou a detecção de um fenómeno físico chamado “precessão de Schwarzschild”, observado pela primeira vez na órbita do planeta Mercúrio, muito perto do nosso Sol e da sua atracção gravítica. A teoria da relatividade geral explicava a órbita de Mercúrio e foi a primeira prova a favor da teoria.

No caso da estrela S2, a sua localização no ponto mais próximo de Sagitário A sofre uma mudança a cada órbita, de tal modo que a órbita seguinte se encontra ligeiramente rodada em relação à anterior, levando a que o percurso da estrela tenha a forma de uma roseta, explicam os comunicados de imprensa sobre os novos resultados. Portanto, a órbita desta estrela tem a forma de uma roseta (como prevê a relatividade geral) e não de uma elipse (como prevê a clássica teoria da gravitação do físico Isaac Newton, de 1687). A relatividade geral prevê com precisão quanto é que a órbita da estrela muda. É agora a primeira vez que a precessão de Schwarzschild é medida numa estrela em órbita de um buraco negro supermaciço.

“O nosso resultado anterior mostrou que a radiação emitida pela estrela sofre os efeitos da relatividade geral. Agora mostrámos que também a própria estrela sente o efeito da relatividade geral”, frisa Paulo Garcia, citado em comunicado. “Esta descoberta observacional fortalece as provas de que Sagitário A é um buraco negro supermaciço com quatro milhões de massas solares”, acrescenta Reinhard Genzel, o director do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre (em Garching, Alemanha) e o coordenador da equipa internacional.

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