Construção trabalha “normalmente” e até ganha obras públicas

Sector da construção tem-se revelado “à altura das dificuldades”, mas teme queda abrupta de encomendas. Nos primeiro dias de Abril foram anunciados concursos públicos no valor de 55 milhões de euros. Nas obras privadas, imobiliário vai ter de esperar pelo turismo.

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daniel rocha

Um dos mais importantes sectores da economia nacional praticamente não parou durante a actual crise da covid-19. O sector da construção que representa 50,5% do investimento público e 17,4% do PIB nacional, segue a trabalhar “quase normalmente” – apesar da menor produtividade e de estar a trabalhar com custos acrescidos. “O sector da construção não parou, nem podia parar”, comentou ao PÚBLICO o presidente da Confederação da Construção e do Imobiliário (CPCI), Manuel Reis Campos.

Por outro lado, “também não se pode pensar em combater a crise económica que todos adivinhamos sem se contar com a construção, sobretudo na parte das obras públicas”, alerta, lembrando os muitos investimentos que estão prometidos desde o PETI 3+, o plano de investimentos que resultou da intervenção da troika e que em 2020 só tem 20% das obras concluídas.

O Governo pareceu já ter isso em conta no arranque deste ano, denotando preocupação pela necessidade de lançar concursos – até para não perder financiamento comunitário previsto. É isso que justifica, segundo Reis Campos, que o primeiro trimestre de 2020 registasse um variação de 65% no número de concurso públicos promovidos e que, dos 1659 milhões de euros de obras lançadas, 1128 milhões tenham sido promovidos no mês de Março. Foram verbas destinadas às obras na linha da Beira Alta, aos novos concursos para a expansão do Metro do Porto (que acabaram por ficar desertos, com as empresas a queixarem-se de terem sido lançados com preço base demasiado baixo), e ao Metro de Lisboa (também este projecto acabou “suspenso” para estudos por parte do Parlamento, mas que o Governo refere que pretende manter). 

Todas estas vicissitudes ajudam a explicar uma tendência de que a CPCI se tem vindo a queixar há já muito tempo: o desfasamento entre os concursos lançados e os que acabam por ser efectivamente celebrados. Ainda assim, durante os primeiros 15 dias de Abril, já em pleno estado de emergência, registou-se a celebração de contratos de empreitadas no valor de 13 milhões de euros (11 milhões em concurso público, dois milhões em ajuste directo) e ainda foram anunciados concursos públicos no valor de 55 milhões de euros. “Se no mês anterior se falava de mil milhões de euros, falar de 55 milhões é quase falar de zero”, considera Reis Campos.

Reis Campos admite que houve “alguma sorte e muita felicidade” pelo facto de não ter havido no sector notícias de trabalhadores contaminados nem de empresas que tiveram de parar por causa disso. “Temos cumprido as recomendações da DGS, damos todas as orientações nesse sentido, mas reconheço que é uma felicidade que ainda não tenhamos sido afectados”, reconhece. No entanto, não deixa de “saudar” todos aqueles que em obras grandes ou pequenas, nas obras públicas e na construção nova ou na reabilitação, na prestação dos diversos serviços, como a gestão de condomínios, ou a mediação imobiliária, “se têm revelado à altura de dificuldades que, até há bem pouco tempo, estávamos longe de imaginar”. O sector segue a trabalhar, mas com menor rentabilidade e com custos acrescidos. “Basta lembrar que a carrinha que transportava dez trabalhadores, hoje tem de fazer a viagem três vezes para respeitar o distanciamento social”, argumenta.

O presidente da CPCI recorda que no sector da construção qualquer paragem da actividade gera um efeito imediato de suspensão dos pagamentos. Regra geral, as empresas não têm stocks para venda durante o período de crise e não existe a possibilidade de colocar os trabalhadores em teletrabalho. “O efeito na tesouraria das empresas é uma realidade imediata, incontornável e muito significativa”, alerta, lembrando que o sector paga aos 306 mil trabalhadores directos registados cerca de 435 milhões de euros por mês em salários, a que se devem somar os 58 milhões de euros de encargos financeiros mensais. “O sector não pode parar”, insiste o presidente da CPCI, lembrando que na Europa o sector está a trabalhar em quase todos os países –  depois de Espanha ter retomado a actividade, só em Itália continua suspenso. “Tanto em Portugal, como na Europa, o investimento nas obras públicas vai ter mesmo de avançar”, insistiu.

O que nos últimos anos “tem valido ao sector da construção” tem sido o segmento das obras privadas. A  CPCI só tem informação estatística disponível referente ao mês de Fevereiro, isto é, um período antes da covid-19. E mantinha indicadores positivos. Mas estas obras estavam muito dependentes do turismo e este pode demorar um pouco mais a arrancar no pós-pandemia. “Mas é importante termos cuidado para não perdemos o lugar que já conseguimos”, apelou Reis Campos, enaltecendo o exemplo que a Câmara do Porto deu recentemente, ao anunciar a agilização dos procedimentos administrativos e dos licenciamentos. “É importante que Portugal não perca o lugar que alcançou. E eu acredito que até vai sair reforçado, porque vai ser recordado como um país que conseguiu lidar relativamente bem com esta pandemia”, reflectiu Reis Campos.

O presidente da CPCI recorda que algumas das medidas extraordinárias que o sector pediu ao Governo para ajudar a combater os efeitos da pandemia acabaram concretizadas: o acesso às novas linhas de crédito covid-19 e ao layoff simplificado, ou a moratória fiscal. Mas ainda não se nota na tesouraria o pagamento das dívidas do Estado às empresas.

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