Covid-19: e agora, medicina dentária?

A carência mais premente que aflige a profissão no momento é a falta de material necessário para as situações de emergência. Mesmo com o material já disponibilizado pela Ordem dos Médicos Dentistas, as carências são ainda óbvias.

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Daniel Rocha

Ainda antes da imposição oficial do estado de emergência em Portugal, dia 16 do passado mês, a actividade profissional de medicina dentária foi suspensa por decreto governamental. Uma medida que devido à evolução da pandemia de SARS-Cov-2 no nosso país se justificava plenamente devido ao alto risco de contágio que a prática de medicina dentária tem, tanto para o profissional como para o paciente. Obviamente, ficaram resguardas situações de urgência envolvendo dores, desconforto, dificuldade mastigatória, entre outras... Situação que se verifica até hoje.

Em consequência deste decreto, várias interrogações ficaram a pairar no ar. Desde a indefinição de quando, como e em que condições a nossa actividade iria retomar e também como os nossos pacientes deveriam agir em situações de necessidade. Vamos então começar pelo mais importante, o nosso paciente.

É para ele que todos os dias trabalhamos e que, de maneira alguma, queremos abandonar. O paciente deverá contactar preferencialmente o seu médico dentista habitual, para este fazer a devida triagem e, se assim for justificável, ser consultado. Com as devidas precauções e necessidades, não abandonaremos ninguém. Basta lembrar que os médicos dentistas no passado foram dos profissionais de saúde que melhor se adaptaram ao aparecimento de novas doenças contagiosas, como as hepatites e o VIH, com que hoje rotineiramente convive, conseguindo também eficazmente evitar a infecção cruzada. Tal como antes, hoje conseguiremos adaptar-nos aos desafios que a covid-19 apresentará. Por isso mesmo, os nossos doentes não terão razão para perderem a confiança na segurança da nossa actividade clínica. Sem alarmismos e conscientes do nosso dever, estaremos preparados.

Posto isto, partiremos para as incertezas no próprio seio da classe profissional. Inquietações essas que considero serem importantes de ser partilhadas para a opinião pública. A ainda hoje considerada (por grande parte da população) profissão de “sultão”, que mesmo antes desta pandemia vivia momentos complicados, encara com esta situação ainda um futuro mais negro.

A carência mais premente que aflige a profissão no momento é a falta de material necessário para as situações de emergência que anteriormente falei. Mesmo com o material já disponibilizado pela Ordem dos Médicos Dentistas, as carências são ainda óbvias. Esta situação preocupa imenso os profissionais, ficando estes impossibilitados de resolver situações de urgência, já que maior parte das clínicas têm imensas dificuldades para efectivamente terem os equipamentos de protecção individual.

Não pedimos ao Estado a responsabilidade de facultar o material, obviamente fundamental e fulcral para a linha da frente de combate à pandemia. Agradecemos, sim, condições para que nós o possamos adquirir. Todos os colegas se vêem nestes dias confrontados pela especulação sobre a grande parafernália de equipamentos e protecções que supostamente é necessária.

Outra questão patente de preocupação é a situação económica. Obviamente, a questão do lay-off e a recente extensão do mesmo para sócios-gerentes é uma ajuda. Não obstante, o programa de apoio para sócios-gerentes é manifestamente insuficiente, por apenas abranger até 60 mil euros de facturação anuais (um valor bastante inferior à normal facturação de uma clínica dentária). A somar a isto, infelizmente a maior parte do sector e principalmente os jovens médicos dentistas, são profissionais liberais. Sendo assim, como estes recebem os seus dividendos por cada acto clínico que realizam, estão sem qualquer fonte de rendimento por tempo indeterminado.

Evidentemente permanecem mais angústias e inquietações do que qualquer resposta, tal como acontece em toda a sociedade civil. O que o futuro nos reserva ninguém saberá. Haverá um grande receio do colapso económico de uma grande porção do sector, mas também interrogações de como a prática clínica se irá desenrolar no futuro próximo.

No entretanto, apenas queremos continuar a fazer aquilo que é nosso dever. Ajudar e responder às necessidades dos nossos pacientes. Em forma de nota final, acrescento e reitero com confiança que tal como eu e todos os restantes colegas estamos disponíveis para ajudar o país naquilo que nos for possível nestes tempos excepcionais.

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