Perda de rendimentos atingiu mais de um terço dos portugueses

Metade dos teletrabalhadores reduziu produtividade desde que começou a crise sanitária, segundo um inquérito da Universidade Católica. A desigualdade de género manteve-se: há mais mulheres do que homens em assistência à família, teletrabalho ou layoff.

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A produtividade em regime de teletrabalho varia em função de haver ou não filhos em casa Paulo Pimenta (arquivo)

Os trabalhadores com salários até mil euros por mês foram os mais afectados pela perda de rendimentos provocada pela pandemia da covid-19. Um inquérito feito pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (Cesop) da Universidade Católica revela que mais de um terço (36%) dos portugueses viram diminuir os seus rendimentos do trabalho. A perda de liquidez tem uma explicação imediata: obrigados ao confinamento doméstico e com as escolas fechadas, 3% dos trabalhadores recorreram à assistência à família, por terem filhos até aos 12 anos de idade, tendo ficado por isso a receber apenas 66% do salário, do mesmo modo que 13% foram postos em “layoff” - recebendo os mesmos 66% - e 4% ficaram desempregados.

A proporção dos que viram reduzir-se o salário ao fim do mês é maior entre os que já ganhavam menos: 43% dos que tinham um rendimento até mil euros mensais perderam rendimento. Na fatia dos que recebiam entre mil e 2500 euros mensais, foram 33% os que perderam dinheiro, numa percentagem que se reduz para os 24% entre os que ganhavam mais de 2500 euros. O inquérito “Covid-19 e Portugueses” feito para o PÚBLICO e RTP mostra ainda que quase um quarto dos portugueses está em teletrabalho desde que o país foi posto em quarentena para travar a propagação do novo coronavírus: 23,2%.

Entre os que passaram a trabalhar a partir do domicílio, 46% declaram estar a produzir menos ou muito menos do que produziam antes. O inquérito, composto por uma amostra de 1700 pessoas, não ajuda a perceber se a quebra na produtividade se explica pelo facto de as empresas estarem pedir menos trabalho ou se decorre do incontornável mas provisório rearranjo imposto pela crise sanitária que obrigou ao confinamento doméstico. Mas, aparentemente, é seguro dizer-se que a existência de filhos não é alheia a esta quebra: 51% dos teletrabalhadores com crianças declaram estar a produzir menos ou muito menos, contra os 43% dos que, não tendo filhos, acusaram a mesma quebra.

No reverso desta moeda, há 20% dos teletrabalhadores que declaram estar a produzir mais ou muito mais. A fatia dos que continuaram a deslocar-se diariamente para o seu local de trabalho é, ainda assim, maior: 35,5%.

Num cenário de pandemia, a vida em quarentena não está imune às tradicionais divisões de género. Há mais homens do que mulheres a manter as mesmas funções profissionais e nos mesmos locais, sendo mais expressiva a percentagem de mulheres que recorreram à assistência à família, ao teletrabalho ou ficaram em situação de “layoff". “Penso que isto poderá ter que ver com a estrutura das profissões por sexo, isto é, com um conjunto maior de profissões desempenhadas maioritariamente por homens que ainda continuam a funcionar normalmente”, admite João António, do Cesop e um dos responsáveis por este inquérito.

Com uma larga maioria dos inquiridos a declarar dispor de condições “boas ou muito boas” para o teletrabalho (o que tem tradução prática quer no apoio das empresas para o trabalho no domicílio quer nas condições de conforto, incluindo ausência de ruído e de interrupções), há neste inquérito um dado que surpreende: a compatibilização entre as obrigações profissionais e familiares está a correr “bem ou muito bem” para a maior parte das pessoas: 77%, no total. Apenas 2% responderam “mal” à pergunta sobre como está a decorrer a compatibilização.

Mas também aqui os filhos ajudam a complicar a conjugação: entre os que não têm filhos a seu cargo, a percentagem dos que consideram fácil a conciliação sobe para os 81%, enquanto entre os que têm que conciliar o trabalho com a preparação de refeições e apoio aos mais novos, além da limpeza da casa, desce para os 70%. Ainda assim, é inusitadamente alta. “Fiquei surpreendido. Mas penso que perceberemos melhor esta percentagem quando separarmos os dados por faixa etária dos filhos: uma coisa é ter um adolescente de 16 anos em casa e outra ter duas crianças de dois e quatro anos de idade”, ressalva João António. Ao olhar, por outro lado, para os 28% dos teletrabalhadores com filhos que responderam “razoavelmente” à pergunta sobre como está a correr a conciliação, o investigador admite que “as pessoas ainda estão a tentar encontrar o seu novo equilíbrio familiar”.

Este inquérito foi realizado pelo Cesop-Universidade Católica Portuguesa para a RTP, PÚBLICO e parceiros e patrocinadores da universidade, entre os dias 6 e 9 de Abril de 2020. O universo alvo é composto pelos indivíduos com 18 ou mais anos residentes em Portugal. Os inquiridos foram seleccionados aleatoriamente a partir duma lista de números de telemóvel e telefone fixo, também ela gerada de forma aleatória. Todas as entrevistas foram efectuadas por telefone e os inquiridos foram informados do objectivo do estudo e demonstraram vontade de participar. Foram obtidos 1700 inquéritos válidos, sendo 57% dos inquiridos mulheres, 34% da região Norte, 20% do Centro, 33% da Área Metropolitana de Lisboa, 7% do Alentejo, 3% do Algarve, 2% da Madeira e 2% dos Açores. Todos os resultados obtidos foram depois ponderados de acordo com a distribuição da população residente por sexo, escalões etários, grau de escolaridade e região com base nas estimativas do INE. A taxa de resposta foi de 49%. A margem de erro máximo associado a uma amostra aleatória de 1700 inquiridos é de 2,4%, com um nível de confiança de 95%.

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