Bloco central funcionou em 60% das votações da última maratona no Parlamento

Rio dá a mão ao Governo para travar partidos à esquerda do PS na resposta à crise económica e social da pandemia. Catarina Martins desafia PS a escolher entre bloco central e BE. E Costa quer que BE e PCP tenham programa para tempos difíceis.

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Rui Gaudencio

O bloco central funcionou em 60% das votações realizadas na passada quarta-feira no Parlamento, quando os deputados fizeram uma maratona de debate e votação de medidas de resposta à crise económica e social gerada pela covid-19. No plenário, a fórmula da “geringonça” só foi usada em 20% das votações. A crise pandémica está a mexer com o tabuleiro político.

Naquela tarde, o debate e a fase de votação duraram mais de seis horas, com o momento do voto a lembrar o processo legislativo do Orçamento do Estado, com páginas e páginas de guiões e microguiões. Na altura foi perceptível que PS e PSD votaram muitas vezes do mesmo lado. E não era de esperar outra coisa. Rui Rio anunciou no primeiro debate sobre sobre a resposta à pandemiado novo coronavírus que, neste tema, o PSD ia estar ao lado do Governo. E a ajuda foi usada para travar as propostas mais à esquerda. 

Mas faltavam números para dar expressão a esta tendência de voto do Parlamento. O PÚBLICO consultou os nove relatórios (um principal e oito microguiões) das 289 votações que aconteceram naquela tarde. E os resultados são claros: em 173 votações o PS e o PSD estiveram ao lado um do outro, com BE e PCP a votarem juntos de forma oposta na grande maioria das vezes. Isto significa que o bloco central funcionou em 60% das vezes em que foi preciso votar. 

Por outro lado, os relatórios das votações mostram que PS, BE e PCP coincidiram no sentido de voto em 59 das 289, ou seja, em 20% das vezes.

As restantes votações foram casos em que aconteceram outras soluções: houve algumas unanimidades (só cinco) e o resto são outras votações de geometria muito variável. 

O que juntou PS e PSD...

A coincidência de posições entre PS e PSD aconteceu na rejeição da apreciação parlamentar pedida pelo PCP pela qual os comunistas queriam reforçar os apoios previstos pelo Governo, no primeiro decreto-lei, às famílias. Foi com a ajuda do PSD que o PS viu as propostas do PCP e do PAN rejeitadas. Uma delas era, por exemplo, a criação de um suplemento remuneratório igual a 20% do vencimento base por risco de contágio para os trabalhadores de serviços essenciais. Só neste conjunto de votações, o bloco central votou lado a lado 58 vezes. 

Mas houve mais. No relatório principal de votações é possível ver que o PSD deu a mão ao PS 88 vezes para chumbar várias iniciativas. Era neste conjunto de votações que estavam, por exemplo, iniciativas para reduzir o número máximo de horas de trabalho para quem está em regime de teletrabalho e a cuidar dos filhos (PEV), ou a suspensão do pagamento de propinas nas universidades (do BE), ou até a proposta para tornar obrigatório um período de carência na moratória dos bancos (do PCP).

Foi também às mãos do PS e PSD que foram chumbadas as propostas que admitiam cláusulas excepcionais para os pagamentos do Estado às concessionárias das Parcerias Público-Privadas (PPP) rodoviárias e a que previa que durante esta fase aos administradores de grandes empresas, entre elas os bancos, não pudessem receber bónus e não fossem distribuídos dividendos aos accionistas.

... e o que uniu a “geringonça"

Um dos casos em que foi possível ver sintonia entre PS, BE e PCP - o núcleo duro da “geringonça” - foi na aprovação da proposta comunista de proibição de cortes em serviços essenciais como água, luz e gás enquanto estiverem em vigor as medidas excepcionais e temporárias de resposta à covid-19. Neste ponto, o PSD votou contra.

Outro caso em que a “geringonça” funcionou foi no momento de votar a proposta do PEV que impede as instituições bancárias de cobrar quaisquer comissões pelas operações realizadas através de aplicações digitais ou plataformas on line, enquanto se determinar ou solicitar isolamento social, decorrente da covid-19. O PS conseguiu restringir o âmbito de aplicação da proposta dos Verdes ao limitar esta isenção no pagamento aos clientes em situações excepcionais no âmbito da crise pandémica. PS, BE, PCP conseguiram reunir votos para aprovar a medida, ao juntarem outros partidos, mas também aqui o PSD votou contra. 

A posição de Rio, o desafio de Catarina e a resposta de Costa

O apoio de Rui Rio ao Governo foi anunciado assim que o Parlamento começou a discutir as consequências da pandemia nas frentes económica e social. O líder do PSD disse a 18 de Março que, “neste combate, este não é o Governo de um partido adversário: É o Governo de Portugal, que todos temos de ajudar neste momento. No combate a esta calamidade, o PSD não é oposição, é colaboração.” 

O PSD defende que é preciso deixar o Governo governar e o presidente do partido optou por não apresentar propostas “ao quilo” no Parlamento. Rio admitiu que seja preciso pensar num Governo de salvação nacional, quando o foco for já só a crise económica. 

O posicionamento do PSD já motivou reacções à esquerda. Em entrevista ao Expresso, a líder do BE, Catarina Martins, defendeu que o PS tem de escolher entre o bloco central (que serve para aplicar a receita da austeridade) e o BE (que a rejeita).

António Costa aproveitou para deixar o desafio aos seus parceiros naturais para um período novo, diferente da conjuntura económica anterior. “Ficaria, aliás, muito desiludido se tivéssemos de chegar à conclusão que só podemos contar com o PCP e com o Bloco de Esquerda em momentos de vacas gordas e em que a economia está a crescer”, disse o primeiro-ministro, em entrevista à Lusa.


 
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