António Costa: “Ficaria muito desiludido se só pudesse contar com BE e PCP nas vacas gordas”

O primeiro-ministro garante que não adoptará a receita de austeridade de há dez anos, alegando não olhar para a crise como um momento de punição.

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Catarina Martins, líder do BE, e António Costa no encontro sobre a conclusão deste ano lectivo LUSA/ANTÓNIO COTRIM

O primeiro-ministro ficaria muito desiludido se concluísse que só podia contar com Bloco e PCP em tempo de “vacas gordas” e defende que o combate à crise da covid-19 até aproximou os partidos. Estas posições foram assumidas por António Costa em entrevista à agência Lusa, depois de questionado se espera poder contar com os parceiros de esquerda do PS quando o Governo tiver de reorientar as suas opções como resposta à crise económica e social do país.

O líder do executivo considera que a questão colocada tem subjacente “o preconceito” segundo o qual o “PCP e o Bloco de Esquerda carecem do sentido de responsabilidade para compreender que a vida política não é só aumentos de salário e aumentos de direitos”.

“Sabem também que a vida política significa, por exemplo, a necessidade de recuperação económica e social do país, que exige, de facto, um esforço colectivo. Ficaria, aliás, muito desiludido se tivéssemos de chegar à conclusão que só podemos contar com o PCP e com o Bloco de Esquerda em momentos de vacas gordas e em que a economia está a crescer”, adverte.

Além do mais, segundo o líder do executivo, “convém não esquecer que a mudança de política económica adoptada, em conjunto com o PCP e com o Bloco de Esquerda, foi essencial para o crescimento económico, para a melhoria dos rendimentos e para a melhoria das condições sociais no país”.

“Em sede de concertação social e em sede de sistema político, temos todos de fazer um esforço para podermos conseguir desenvolver um plano de recuperação económica que não seja de conflitualidade”, defende.

Costa diz que não adoptará soluções da crise anterior

O segundo preconceito subjacente à pergunta, segundo António Costa, é o de que o Governo “tenciona aplicar no futuro a mesma receita que há dez anos foi aplicada para enfrentar a crise”, o que rejeita.

“Mas podem estar seguros de que não adoptarei a mesma receita, não só porque já na altura não acreditei nela, como, sobretudo, porque a doença agora é claramente distinta da anterior. Não há actualmente uma doença das finanças do Estado, que, felizmente, conseguiu sanear as suas finanças públicas. Esta crise é uma crise económica, global, que resulta de uma crise sanitária. Portanto, querer aplicar a mesma receita que já se demonstrou errada há dez anos seria agora duplamente errado”, reforça.

“Temos bem consciência de que as receitas de austeridade já demonstraram há dez anos que são o pior caminho para o sucesso e que o melhor caminho é mesmo apostar na preservação do emprego e na defesa dos rendimentos como condição essencial para que a economia possa recuperar o mais rapidamente possível”, sublinha.

Interrogado sobre um cenário de regresso de um Governo de Bloco Central, juntando PS e PSD, António Costa entende que “a crise não alterou aspectos que são fundamentais” no sistema político português.

“Na questão do Bloco Central, há uma notável coincidência entre os líderes do PSD e do PS de que essa não é uma boa solução para o sistema político, porque enfraquece os pólos naturais de alternativas - e a democracia exige alternativas e precisa de alternativas. Por isso, é bom e útil que, quer o PS, quer o PSD, possam manter a sua capacidade de desenvolver e liderar alternativas”, reitera o primeiro-ministro.

Na sua perspectiva, no momento presente “o sistema político-partidário demonstrou uma capacidade de se unir para enfrentar em conjunto este desafio” da pandemia de covid-19.

“Claro que não estamos de acordo sobre tudo, até porque não há nenhum vírus que mate as diferenças ideológicas que existem, isso seria mesmo abolir a democracia”, ressalva.

Confrontado com o elogio feito pelo chefe do Governo espanhol, Pedro Sánchez, à actuação do líder do maior partido da oposição em Portugal, Rui Rio, o primeiro-ministro responde: “Não tenho nenhum rebuço em dizer - tenho-o dito, aliás - que o sistema político português revelou uma extraordinária maturidade perante esta situação de crise”.

Sem se referir especificamente ao presidente do PSD, António Costa prossegue: “Conseguimos ter o estado de emergência sem suspender a democracia, conseguimos ter uma concentração perfeita entre Presidente da República, Governo e Assembleia da República, conseguimos ter os partidos políticos mantendo a sua diferenciação ideológica, mas sabendo convergir num esforço de unidade nacional para enfrentar esta pandemia e conseguimos ter consensos políticos alargadíssimos nas medidas muito duras de restrição das liberdades que o estado de emergência impôs”.

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António Costa (à direita) com o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa (à esquerda) ANTÓNIO COTRIM/Lusa

“Temos conseguido demonstrar que, numa situação de grande pressão, tensão e grande dificuldade tem havido uma capacidade de pactuação, de negociação e de convergência no conjunto da sociedade portuguesa, designadamente ao nível do sistema político, que é absolutamente notável”, considera.

Mais à frente, o primeiro-ministro fala então de Rui Rio, declarando não ter “o menor rebuço em dizer” que o presidente dos sociais-democratas, “como líder da oposição, tem sido um bom exemplo do espírito colaborativo”.

“Tem discordado das medidas que entende discordar, mas em nada se pode apontar, nem a ele nem a qualquer outro partido, que tenha agido de uma forma que contrarie o esforço de unidade nacional para enfrentar esta crise”, acrescenta.

Relativamente à actuação de PCP e Bloco de Esquerda, em comparação com o PSD, no actual contexto, António Costa advoga que “nestes meses difíceis” tem havido “um grande empenho e uma grande convergência da parte de todos”.

“Mesmo o PCP, que ainda não votou favoravelmente nem o estado de emergência nem a sua renovação, também não deixou de apelar activamente ao cumprimento dessas medidas e tem tido uma postura muito construtiva em todo este processo. Portanto, acho que a crise não nos afastou e tem-nos aproximado a todos, o que tem sido muito positivo e que tem contribuído bastante para a confiança na sociedade portuguesa. Mas estar a fazer futurologia sobre a vida política é a última coisa que neste momento as pessoas estão preocupadas”, conclui.

Portugal deve reforçar indústria têxtil, moldes e plásticos

“Com esta crise, a Europa vai ter seguramente de compreender que vai ter de reforçar muitíssimo a sua base industrial e Portugal tem de se colocar nessa primeira linha do reforço da base industrial e da capacidade de produção nacional, além do mais porque somos dos países que ainda sabemos fazer muitas das coisas que a Europa se habituou a deslocalizar para o Oriente”, diz. “Nesta reorganização que necessariamente vamos ter de ter nestas cadeias de valor à escala global, o país vai ter de se reposicionar. Esse é um cenário que temos de possuir a capacidade de explorar.”

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