Idosos mais imunes ao medo, jovens mais ansiosos e tristes

“Quanto menor o nível de escolaridade, maior é a ansiedade e maiores as perturbações de sono. E quanto menor o rendimento também. Há um gradiente social marcado na resposta a esta crise”, sintetiza o presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto.

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“Os mais velhos podem não ter imunidade para o vírus, mas parecem ter mais imunidade para responder a esta situação nova", diz epidemiologista adriano miranda

Parece um paradoxo, mas a pandemia que está a paralisar o mundo está a provocar menos medo nos idosos do que nos jovens, quando os primeiros são os que correm mais risco de vida. Face àquela que é a primeira grande crise das suas vidas, os jovens mostram-se mais tristes e ansiosos. A forma como este tempo de incerteza se está a reflectir no bem-estar emocional dos cidadãos é diferente entre gerações, revela o estudo Diários de uma Pandemia, uma iniciativa do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) e do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), que conta com o apoio do PÚBLICO.

“Os mais velhos podem não ter imunidade para o vírus, mas parecem ter mais imunidade para responder a esta situação nova. Relativizam mais, porque já enfrentaram outras dificuldades e passaram por várias crises de saúde pública, como a doença das vacas loucas, a gripe das aves, o ébola. Para os mais jovens, esta é a primeira grande ameaça das suas vidas”, observa Henrique Barros, presidente do ISPUP, especialista em saúde pública e epidemiologista.

“O que sobressai [deste estudo] é que os mais velhos não demonstram tanto medo e ansiedade. Parecem estar um pouco imunes e isto é preocupante, porque este é o grupo que importa mais proteger, uma vez que é o que corre maior risco [em termos de mortalidade e morbilidade]”, corrobora Sílvia Fraga, que coordena o grupo de epidemiologia social deste instituto. Foram 3432 as pessoas com idades entre os 16 e os 89 anos (uma “amostra” não representativa) que participaram neste estudo, relatando, através de questionários online, a forma como estão a viver este tempo conturbado, pelo que a amostra não é representativa. Este é o primeiro de uma sequência de retratos transversais sobre esta matéria que os investigadores do ISPUP se propõem fazer nas próximas semanas. 

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Em traços gerais, os resultados indicam que, enquanto cerca de terço das mulheres entre os 16 e os 39 anos admitem sentir tristeza, desespero, ansiedade ou mesmo depressão, só pouco mais de um quarto das mulheres com 60 ou mais anos dizem estar sofrer desta forma com a pandemia de covid-19. Entre os homens a diferença é ainda mais expressiva: se quase um quarto dos mais jovens admite sentir tristeza, desespero, ansiedade e depressão, apenas um em sete dos que têm 60 anos ou mais anos admite sentir-se assim. À pergunta “teve uma sensação de medo como se algo terrível estivesse para acontecer”, volta a ser maior a proporção de jovens, relativamente aos mais velhos, que respondem sentir “sempre” ou “quase sempre” esta sensação.

Globalmente, quando inquiridos quanto à avaliação que fazem do risco que correram de ficarem infectados com o novo coronavírus durante a última semana de Março, cerca de 40% consideram que este risco foi “muito baixo”, sem diferenças assinaláveis entre homens e mulheres e grupos etários. As frequências mais elevadas das categorias “alto” e muito alto" foram reportadas pelos participantes entre os 40 e os 59 anos, tanto em homens (16%) como em mulheres (12,9%). O que muda é a percepção do risco de ser contagiado, que é menor à medida que aumenta o nível de escolaridade. Por regiões do país, esta percepção do risco, particularmente o que é sentido como “muito alto”, foi menos frequente entre os residentes no Algarve e na Madeira.

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Também são expressivas as diferenças entre homens e mulheres: os sentimentos de medo e ansiedade são admitidos com menor frequência pelos homens, como seria de esperar. “As mulheres estão mais ansiosas e com mais medo, têm mais dificuldades em adormecer e parecem ter menos estratégias de auto-controle”, elenca Sílvia Fraga. Nada de particularmente surpreendente, uma vez que os homens têm habitualmente maior relutância em admitir este tipo de sentimentos. “Isto reflecte em geral o que sabemos sobre as diferenças de género”, atesta o epidemiologista.

O que se observa também é uma associação clara entre o nível de rendimentos e as dimensões analisadas: as pessoas com rendimentos “mais confortáveis” (e isto não tem que ver com os rendimentos em valor absoluto mas sim com a percepção de que são ou não suficientes para se viver com conforto) apresentam níveis decrescentes de medo e ansiedade e de perturbações do sono, além de terem menos dificuldades em lidar com a situação actual e de perderem com menor frequência o controlo sobre a situação. 

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O nível de escolaridade parece funcionar igualmente como um factor de protecção. “Quanto menor a escolaridade, maior é a ansiedade e maiores as perturbações de sono. E quanto menor o rendimento também. Há um gradiente social marcado na resposta a esta crise”, sintetiza Henrique Barros.

Os investigadores do ISPUP quiseram ainda perceber se as pessoas sentem esperança em relação ao futuro. A maior parte respondeu que sim - cerca de dois terços disseram que isso aconteceu, ao longo da semana, “muitas vezes” ou “sempre” e “quase sempre”. A este nível, já “é quem tem mais educação que tem menos esperança”, enfatiza Henrique Barros. Porquê? “Provavelmente porque estas pessoas têm capacidade de integrar todos os riscos de uma maneira mais racional”. De novo, são os mais velhos que se sentem mais esperançosos em relação ao futuro.

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Surpreendente é a baixa percentagem dos que dizem temer perder o emprego, um resultado que pode decorrer em parte da amostra deste estudo. Mas, para o presidente do ISPUP, há outra interpretação possível. “Algumas pessoas podem não estar a projectar-se suficientemente no futuro. Acham que esta situação é temporária, que vai acabar rapidamente. Vai ser necessário ver, se, à medida que a situação se prolongar, esta sensação de aparente segurança se irá manter”.

Henrique Barros e Sílvia Fraga acreditam que vai ser possível caracterizar melhor a situação nas próximas semanas. Afinal, ainda passou pouco tempo – o primeiro caso positivo foi reportado em Portugal em 2 de Março. 

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