Covid-19: A dificuldade de abrir as creches

A rede de creche não foi criada de raiz, antes nasceu das necessidades e oportunidades locais. Vai ser difícil encontrar soluções generalizáveis.

Foto
ADRIANO MIRANDA

A situação das creches em Portugal é distinta da de outros países europeus e pode constituir um difícil quebra-cabeças com a covid-19.

Em primeiro, algumas creches funcionam em parques de instalações com equipamentos para várias gerações e, nalguns casos, funcionam mesmo dentro das instalações de centros de dia ou de lares residenciais para pessoas idosas. Neste último caso, as crianças partilham corredores, vias de acesso e até espaços de alimentação com pessoas idosas ou doentes. Note-se que em situações típicas esta pode ser uma boa prática de integração geracional.

Segundo, nalguns países europeus, o rácio máximo é de quatro crianças por profissional de educação, em Portugal pode atingir dez crianças por profissional. Para crianças entre os 2 e os 3 anos é frequente um/a educador/a e um/a auxiliar trabalharem com 18 crianças. A implicação prática deste rácio verifica-se nas rotinas diárias. Por exemplo, é comum as crianças seguirem alinhadas de mãos dadas ou apoiadas umas nas outras quando se deslocam da sua sala para outros espaços da creche. Noutros países, com quatro adultos por sala é possível cada adulto deslocar-se de mão dada com duas crianças de cada vez ou assegurar práticas de higiene mais frequentes e cuidadosas.

Terceiro, algumas creches portuguesas operam em espaços reduzidos (por exemplo com corredores apertados) que não permitem assegurar a distância de segurança. Outras não possuem zonas intermédias antes do acesso às salas, dificultando a possibilidade de criação de espaços “sujos” (espaços onde se deixam as coisas que vêm do exterior) e de espaços “limpos”.

Quarto, nalguns países do norte da Europa, cada sala de creche tem uma sala contígua para o isolamento de crianças doentes. Em Portugal, é frequente haver uma única sala de isolamento por creche. Assim, se existirem várias crianças suspeitas de terem covid-19, serão isoladas em conjunto. Se uma delas tiver covid-19, poderá contagiar outras que, afinal, eram falsas suspeitas. É necessário também acautelar que estes espaços não devem ter funções adicionais.

Sobretudo, o maior problema é a elevada heterogeneidade de equipamentos e práticas de creche em Portugal. A rede de creche não foi criada de raiz, antes nasceu das necessidades e oportunidades locais. Vai ser difícil encontrar soluções generalizáveis.

Importa realizar uma avaliação rigorosa das creches que apresentam condições para abrir e um sistema eficaz de monitorização e apoio. Profissionais de saúde devem visitar e aconselhar as equipas educativas antes e depois da sua abertura, bem como deve ser criada uma linha de atendimento telefónico específica e eficaz para os profissionais de educação. Os profissionais de educação não podem ser deixados a improvisar soluções ou sem conhecimento técnico.

Como fazer quando crianças se beijam, abraçam ou mordem (comportamentos frequentes e espontâneos nestas idades)? É importante o apoio das entidades de saúde, entre outros aspetos, na revisão das práticas de higienização dos fraldários e espaços de alimentação para responder à covid 19. Não bastam regras gerais, é preciso verificar a situação de cada creche.

É, igualmente, crucial estabelecer se crianças com problemas respiratórios, cardiopatias, diabetes, entre outras doenças, podem frequentar as creches.

Embora a mortalidade seja muito baixa em bebés até aos 3 anos, a infeção das crianças pode desencadear cadeias de contágio. A abertura da creche deve ser um processo planeado e cuidadosamente preparado.

As famílias têm de colaborar, não levando as crianças doentes ou em dúvida para a creche.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários