Na Ponte 25 de Abril o que mais se ouviu foi: “Desta vez passa”

Como não há um modelo único para as declarações que justificam deslocações para o trabalho, cada patrão fabricou uma à sua maneira. E nem todas têm a informação mínima necessária.

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Nuno Ferreira Santos
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Rui Gaudêncio

O Mercedes escuro com vidros fumados atrás pára na entrada para a Ponte 25 de Abril, em Lisboa, mas de repente volta a arrancar e quase passa por cima da bota de um dos agentes da Divisão de Trânsito da PSP que estão a controlar a circulação automóvel em direcção ao Sul. De lá de dentro sai um homem franzino, de blazer castanho, a esbracejar: queixa-se de estar na fila há duas horas por causa da operação policial aqui montada, enquanto as filhas aguardam do lado de lá a sua visita semanal com hora marcada.

Num ápice, vários agentes das Equipas de Prevenção e Reaçcão Imediata — uma unidade especial da PSP que actua com motas de alta cilindrada  cercam o automobilista indignado: “O senhor vai desligar o motor, tirar o cinto de segurança, sair para o exterior do veículo e pôr as mãos em cima do capot”, gritam-lhe, enquanto lhe apontam um taser. É meio caminho andado para o pai transtornado se acalmar, antes de lhe pedirem os documentos que justificam a deslocação de Lisboa para a Margem Sul. Apresenta uma declaração da entidade patronal que não serve de nada para o efeito, porque não está a caminho do trabalho. Desta vez passa, como passaram praticamente todos os outros antes dele. Mas a partir desta quinta-feira e até ao próximo dia 13 as coisas vão mudar de figura e viajar entre concelhos diferentes será alvo de maior controlo, avisam-no. Tem de trazer consigo uma cópia do acordo de regulação do poder paternal.

A maioria dos condutores diz que até sabe das novas regras, mas há quem as tenha levado tão à letra, tão à letra que acaba por as infringir. É o caso do rapaz que mora do lado de Lisboa mas que resolveu levar a namorada a casa, a Almada. “Eu passei vários dias em casa dele, mas como a partir desta quinta-feira se tem de ficar no concelho de residência ele deu-me boleia”, explica ela. “Mas podia ficar na casa dele!”, explica-lhe o agente da Divisão de Trânsito, quase exasperado. “O problema é andarem a mudar de casa!” Logo a seguir é interceptado um veículo com mãe, pai e recém-nascido lá dentro. Em teletrabalho, o homem foi buscar o computador ao escritório e está de regresso ao lar. Mas como não conduz teve de ser a mulher a levá-lo. “E o bebé não podia ficar sozinho, não é?”, interrogam.

Nos últimos dias os agentes da autoridade têm-se confrontado com um problema peculiar: como não há um modelo único para as declarações das entidades patronais, cada patrão fabricou uma à sua maneira. E nem todas têm a informação mínima necessária à fiscalização de quem anda na rua, de carro ou apeado. Esta quarta-feira, a caminho da ponte, uma condutora entregou aos agentes um comprovativo que atestava trabalhar e residir no mesmo sítio. Noutros casos o documento nem sequer inclui local de residência. “Em França já arranjaram uma minuta para isto. E bem que nos facilitava a vida”, comenta um polícia, conformado, enquanto deixa os automobilistas seguir o seu caminho.

A GNR também esteve nas estradas já esta quarta-feira. No IC1, por exemplo, na direcção de Grândola e de Alcácer do Sal, estava montado um dispositivo com nove militares já depois da saída da auto-estrada para o Algarve, no âmbito da Operação Recolhimento. Os veículos de pesados com mercadorias passavam à vontade, mas os ligeiros eram todos mandados parar e os condutores interrogados sobre a justificação para andarem na estrada. Entre as 15 e as 16h30 todos se justificaram com trabalho.

A partir das 18h a GNR também esteve junto à Ponte Vasco da Gama, em Lisboa, para fazer o mesmo tipo de controlo e sensibilização aos condutores. A partir das ooh desta quinta-feira as forças de segurança poderão aplicar multas a todos os que circularem sem motivo válido — e legal — para o fazerem. 

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