A “regionalização” da covid-19

Numa fase em que a união em torno de objectivos comuns é essencial, começavam-se a multiplicar os sinais de um mal-estar vindo das regiões.

A norma já estava prevista no despacho de execução do segundo período do estado de emergência, onde se determinava que o primeiro-ministro procederia “à nomeação das autoridades que coordenam a execução do estado de emergência no território continental, a nível local”. Mas só ontem soubemos de que forma se irá materializar esta intenção, com a nomeação de cinco secretários de Estado, que irão exercer essas tarefas de coordenação a partir da divisão geográfica por NUTS 2, ou seja, Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve.

Muitos poderão olhar para isto não como uma forma de articulação, sempre necessária, entre as realidades locais e o todo nacional, e vice-versa, mas como uma maneira de o Governo continuar a alimentar a agenda a favor de uma regionalização, cujo próximo momento, recorde-se, seria a eleição dos presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, que se repartem exactamente pelo mapa agora aplicado.

Mas a verdade é que, numa fase em que a união em torno de objectivos comuns é essencial, começavam-se a multiplicar os sinais de um mal-estar latente, por vezes ainda circunscrito a grupos no WhatsApp e às redes sociais, mas que a qualquer momento se pode tornar uma fonte de divisões dispensável. Já se tinha discutido a distribuição geográfica dos testes criados pelo Instituto de Medicina Molecular, os deputados do PS já tinham questionado a razão por que um organismo nacional, a RTP, tinha escolhido um hospital de Lisboa como receptor de uma campanha de angariação de fundos, já tínhamos vivido o episódio, totalmente dispensável, do cerco sanitário ao Porto, e agora, muito provavelmente, iremos começar a discutir a distribuição dos meios que chegam a Portugal, nomeadamente os ventiladores.

Não é certo que este tipo de problemas – alguns com explicações bem naturais – não venha a repetir-se, apesar da nomeação destes responsáveis. Mas certamente o seu papel como moderador dos instintos de alguns autarcas ou como tradutores para o poder central das justas aspirações de outros pode servir de almofada para evitar exageros. O inverso também é verdade, na tradução para o terreno do que vem do centro, nomeadamente junto de uma administração pública muito habituada a operar verticalmente, mas pouco habituada a trabalhar com o departamento do lado.

E, mais uma vez, fica provado que a organização do Estado estará incompleta enquanto não for criada uma estrutura intermédia entre o poder local e o poder central. Uma discussão para continuar depois da pandemia.

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