Covid-19: Produtores de pão-de-ló de Ovar não percebem porque não podem produzir nem escoar

“Não percebemos porque é que as padarias podem estar abertas e os supermercados podem vender bolos, bolachas, chocolates e tudo o que lá tinham antes, e nós estamos impedidos de fabricar um produto que, além de ser alimentar como os outros, é exclusivo de Ovar e tradicional”, diz associação.

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Paulo Pimenta

A Associação de Produtores de Pão-de-Ló de Ovar (APPO), produto com identificação geográfica protegida e assim restringida ao município sob cerco sanitário devido à covid-19, manifestou-se nesta segunda-feira contra a proibição de fabrico e escoamento do respectivo stock.

Em declarações à Lusa, o presidente da instituição diz que em causa está a actividade de 12 fabricantes certificados que, nesse concelho do distrito de Aveiro, estão obrigados ao encerramento da sua actividade e deixaram de produzir milhares de pães-de-ló que, só na altura da Páscoa, eram expedidos para todo o país, frescos ou ultracongelados.

“Não percebemos porque é que as padarias podem estar abertas e os supermercados podem vender bolos, bolachas, chocolates e tudo o que lá tinham antes, e nós estamos impedidos de fabricar um produto que, além de ser alimentar como os outros, é exclusivo de Ovar e tradicional”, afirma José Ferreira Sousa.

O problema é agravado pela circunstância de os fabricantes locais “terem parado a sua produção bem antes do dia 18 de Março”, data em que se activou o cerco em Ovar, e representarem maioritariamente “pequenas empresas familiares, o que contribui para a paralisação total económica do respevtivo agregado”.

O presidente da APPO lamenta, por isso, constatar que “o Gabinete de Apoio à Crise [da autarquia local] não autoriza a produção de pão-de-ló de Ovar”, pelo que “parece que, pela primeira vez, o ex-líbris da cidade não vai fazer parte da mesa de todos os que apreciam esta iguaria”.

Outras críticas prendem-se com o facto de, tanto no concelho como na generalidade do país, o estado de emergência permitir a venda e transporte de produto acabado dito de primeira necessidade - “sem obrigar os supermercados a venderem só batatas, carne e arroz, ou produtos de higiene” - e o mesmo critério não estar a ser adoptado para os fabricantes de pão-de-ló.

José Ferreira Sousa remeteu à Lusa o pedido de um empresário alimentar local que requereu à câmara autorização para escoar mercadoria e a viu rejeitada.

A empresa Guida Gourmet dizia registar “uma redução drástica” de actividade, lembrava que já realizou uma quarentena profiláctica de 20 dias e solicitou autorização para fazer entregas no Grande Porto, Viseu e Lisboa como “única oportunidade de poder escoar o stock e não perder os clientes existentes”.

A resposta da autarquia foi contraditória: diz à empresa que “não lhe é permitido (...) escoar os bens produzidos”, mas diz também que “será aberto um corredor de escoamento de mercadorias de empresas, com produto final acabado à data do início da cerca sanitária municipal [18 de Março], (...) destinado a todos os estabelecimentos comerciais e industriais não autorizados a laborar”.

Pedro Maia é um dos empresários que, na rede social Facebook, questiona essa argumentação: “Gostava que alguém me explicasse o objectivo operacional de abrir um cordão para escoamento de mercadorias e recepção de matérias-primas [retidas no exterior] num município com a indústria parada há 21 dias, depois de terem permitido, e bem, a saída de produto acabado no fim do mês de Março”.

Director de produção numa unidade industrial com cerca de 60 trabalhadores que aguardam desde sexta-feira resposta ao seu pedido de arranque de produção, o empresário duvida que em causa esteja apenas stock pronto à data do início do cerco. “Depois daqueles três dias de escoamento de produto acabado [em Março], quem disser que tem mais para escoar, das duas uma: ou está a gerir à moda de 1990 ou está a produzir”, justifica.

Rui Catalão, fabricante de pão-de-ló e ex-presidente da APPO, concorda que “não se percebe bem o critério” e pretende beneficiar da excepção introduzida para restaurantes no decreto sobre o estado de calamidade pública em Ovar, pretendendo “reabrir a actividade na Páscoa em regime de take-away”, só para vender o doce regional aos clientes do concelho.

Se antes fabricava por esta altura “uns 1.500 pães-de-ló, dos quais 80 a 90% eram encomendas para todo o país”, agora antecipa, contudo, “apenas vendas residuais, porque, não podendo o produto seguir para os supermercados e padarias fora de Ovar, a população local também não vai comprar muito”, por saber confeccionar o doce em casa.

Artur Duarte, vereador do PS no executivo camarário liderado pelo PSD, também já se manifestou nas redes sociais sobre o assunto, lembrando que “em todo o concelho é tradição da Páscoa saborear-se o pão-de-ló e as regueifas”.

Referindo que “a pandemia está a arrasar” os negócios dos pequenos produtores desses bens alimentares, o socialista propõe uma campanha que, “com o patrocínio da Câmara”, incentive as encomendas locais na actual quadra religiosa.

“Lançava-se a campanha “Um doce vareiro para todas as famílias”. (...) Com a vantagem de termos um presidente que até aparece no programa do [Manuel Luís] Goucha, as famílias inscreviam-se ou contactavam directamente os produtores aderentes, para receber, por exemplo, um pão-de-ló ou uma regueifa por cada quatro pessoas do agregado”, sugere.

Adiantando que a entrega poderia ser feita ao domicílio, Artur Duarte deixa ainda uma recomendação mais específica: “A Câmara assegurava o pagamento de toda a acção e receberia das famílias não carenciadas, a título de donativo, (...) um valor mínimo de 20 euros, que seria depositado numa conta destinada a ser utilizada como fundo de apoio à recuperação do comércio local”.

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