E ainda dizem que a imprensa é cara

Nunca como hoje sentimos a necessidade de ter meios de comunicação sólidos, que nos informam sobre tudo o que se passa, responsabilizando-se com o que dizem. Mas eles também precisam do nosso apoio. Sempre precisaram, mas agora ainda mais.

Estamos trancados em casa. A pandemia piora e, a cada momento, o silêncio é quebrado pelo som da sirene de uma ambulância. Mas sabemos que não estamos sozinhos. Sabemos que existe um inimigo perigoso por aí. Um inimigo invisível e furtivo que nos infecta sem que o vejamos. Tudo isso é comum à população, nós que não somos profissionais de saúde, sabemos disso graças aos meios de comunicação, que nos ordenam e transmitem as informações que precisamos de saber todos os dias e sempre que precisamos.

Nunca como hoje sentimos a necessidade de ter meios de comunicação sólidos, que nos informam sobre tudo o que se passa, responsabilizando-se com o que dizem. De um lado, temos um sem fim de posts e “conselhos” que nos chegam através dos grupos do WhatsApp, perfis anónimos nas redes que intoxicam... por outro lado, meios como este que você lê, leitor preocupado. Pessoas físicas que garantem, com a sua presença, assinatura e prestígio, a informação. Pessoas que, com o seu trabalho, geram informações e opiniões que nos ajudam a entender a dura realidade que nos cerca.

Mas esta pandemia não captura economicamente o elo mais fraco dos meios, a imprensa escrita. Embora a rádio e a televisão agora notem a queda dos anunciantes, os jornais estão envolvidos numa batalha pela sobrevivência há anos. Foram sempre um exercício para as minorias, pouco mais de 5% da população do Ocidente consome jornais regularmente: a elite de uma nação dialogando consigo mesma. Quando a Internet chegou, os jornais usavam o público para consumir um produto de luxo de graça, e esse mesmo público agora está relutante em pagar pelos conteúdos. Mas, no pecado, carregamos, como sociedade, a penitência: poucos serviços são mais essenciais do que os meios de comunicação e ainda mais num mundo como este, “tão moderno e tão estragado”, como Evaristo e seus filhos de Salvatierra cantaram.

Precisamos de saber o que está a acontecer connosco, e para isso os meios de comunicação são essenciais. Imagine o panorama “hobbesiano” que se nos apresentaria, se amanhã de manhã, quando acordarmos, não houver ninguém do outro lado: imagine que ligamos o rádio ou a televisão e há apenas silêncio. Descemos à rua e o quiosque está fechado. Quando voltamos para casa, percebemos que, na Internet, nenhum meio de comunicação atualiza o seu conteúdo. Esse é realmente um dos piores pesadelos que esta crise nos pode trazer: levaria algumas horas para voltarmos ao estado mais puro da natureza humana, todos contra todos, sem ordem nem acordo, acumulados em supermercados, sem saber o que está a acontecer ou, pior, o que vai acontecer. É que sem mediadores, que são um elemento básico da nossa sociedade e que pensávamos serem dispensáveis, não somos capazes de figurar a realidade. A imprensa ainda está lá, por enquanto.

Mas eles também precisam do nosso apoio. Sempre precisaram, mas agora ainda mais. E a maneira de apoiá-los é pagando pelo trabalho que realizam. Não basta clicar na web e consumir, como um diário, o que os outros geraram. Também não vale a pena reivindicar um suposto “jornalismo cidadão”, que é um conceito vazio que mostra todas as costuras se o levarmos a outros campos: gostaria de ser visto num hospital nesta crise, por exemplo, por um “médico cidadão"? Ou de saber que os membros do INEM que arriscam as suas vidas todos os dias eram, na verdade, “cidadãos soldados"?

Bom, leitor preocupado. Não sei se sabe que ter acesso a este e qualquer outro jornal todas as manhãs exige esforço e uma organização industrial: editores, cronistas, colunistas, correspondentes, editores, repórteres, designers, mas também transportadores, vendedores... Uma maravilha de eficiência para que saiba o que uma pessoa séria deve saber atualmente, seja em Portugal, em Espanha, em Itália ou em qualquer lugar do mundo, em troca de poucos euros no papel e menos de um euro nas plataformas digitais.

Tom Rosenstiel, um veterano jornalista americano, escreveu uma vez que, à medida que a luz dos jornais se vai apagando, “uma parte da vida será deixada na escuridão”. Agora feche os olhos, leitor, e imagine como a sua cidade, região ou país ficará sombrio à medida que a imprensa desaparecer… Está nas nossas mãos contribuir para evitar que isto aconteça.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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