Partido Trabalhista conhece novo líder após uma longa eleição, ofuscada pela pandemia

Nome do sucessor de Corbyn é revelado no sábado de manhã e Starmer é o favorito. Medidas de contenção do coronavírus obrigaram ao cancelamento de comícios, debates e do congresso extraordinário, e a estratégia do Labour para o combate à ameaça sanitária saiu fragilizada.

Jeremy Corbyn
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Jeremy Corbyn deixa o cargo de líder da oposição, cinco anos depois de uma eleição surpreendente Reuters/PHIL NOBLE
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Keir Starmer recebeu o apoio de sindicatos importantes dentro do movimento trabalhista Reuters/Henry Nicholls

No Reino Unido, como em praticamente todo o mundo, a crise sanitária provocada pela propagação do novo coronavírus tomou conta da actualidade política. Mas não suspendeu o processo de eleição do novo líder do principal partido de oposição do país, mesmo tendo-o desprovido de notas de destaque nas últimas semanas. Ao fim de cinco anos liderado por Jeremy Corbyn e quatro meses depois de uma derrota eleitoral histórica, contra o conservador Boris Johnson, o Partido Trabalhista conhece finalmente, no sábado de manhã, o nome do seu sucessor.

Lisa Nandy, Rebecca Long-Bailey e Keir Starmer são os pretendentes ao cargo, com o antigo “ministro-sombra” para o “Brexit” a ser apontado pelas sondagens e pelas casas de apostas como o grande favorito à vitória.

O anúncio do vencedor de uma longa corrida no partido de centro-esquerda britânico, iniciada em Janeiro, está agendado para as 10h45 de sábado, através de um email que será enviado aos militantes e à comunicação social.

Tal como a grande maioria dos comícios, dos debates presenciais ou das acções de campanha que deveriam ter acontecido durante o mês que passou, também o congresso extraordinário, de revelação e exaltação do novo líder do Labour, foi cancelado.

Aos três candidatos – e aos outros cinco que concorrem para o cargo de vice-líder do partido, vago desde que Tom Watson se demitiu, em Novembro – foi pedido que gravassem, antecipadamente, um discurso de vitória, que deverá ser divulgado juntamente com o resultado da votação.

Para trás ficam três meses de um complexo e demorado processo eleitoral, convocado na sequência do pior resultado do Labour em 84 anos, quando perdeu copiosamente as legislativas de Dezembro para o Partido Conservador, após uma campanha monopolizada pela discussão sobre a saída do Reino Unido da União Europeia.

Corbyn ausente?

Ninguém no Partido Trabalhista coloca em causa a urgência do combate à covid-19 ou a necessidade das medidas restritivas decretadas pelo Governo de Johnson. Mas para grande desalento dos seus dirigentes e militantes, a verdade é que a pandemia retirou interesse e entusiasmo à fase final da disputa pelo posto de Corbyn, numa altura em que o partido precisa urgentemente de reverter o ciclo de insucesso e de se reorientar para voltar a disputar o poder.

Ao longo das últimas semanas o executivo tory tomou uma série de medidas extraordinárias. Decretou políticas de isolamento sem precedentes, anunciou um dos maiores investimentos públicos no Reino Unido do pós-guerra, interveio fortemente em sectores-chave da economia e suspendeu os trabalhos parlamentares. 

Fê-lo com o apoio da oposição, é certo, mas dentro do Labour muitos lamentam que, por causa da incerteza intrínseca a qualquer processo político de troca de liderança, o partido não tenha conseguido unir-se em redor de uma estratégia política sólida de combate à doença e de planos de protecção para os trabalhadores e economia do Reino Unido.

Principalmente na primeira fase da pandemia, quando Johnson e a sua equipa defenderam uma abordagem de contenção mais comedida – em comparação com o que estava a ser implementado pelos vizinhos europeus – por entenderem ser necessário “atrasar e reduzir o pico de contágio”.

“A liderança trabalhista é tão culpada como Boris Johnson por não ter levado [a ameaça do vírus] tão a sério quanto devia”, assumiu ao Guardian um trabalhista próximo de Corbyn, que não quis ser identificado, e que revelou que tanto o líder, como o “ministro-sombra” das Finanças, John McDonnell, estiveram “completamente ausentes” durante demasiado tempo.

“Encontramo-nos no pior de todos os mundos. Apesar dos seus melhores esforços, Jeremy Corbyn e John McDonnell sentem-se menos importantes”, justificou a deputada trabalhista Lucy Powell, na semana passada. “Precisamos de uma mensagem de clareza da liderança, em vez de diferentes mensagens vindas de diferentes lados”.

Chris Matheson, outro deputado do Labour, defendeu que o período de voto para escolha do novo líder deveria ter sido reduzido e que o resultado deveria ter sido divulgado mais cedo, para permitir que o partido pudesse responder com maior eficiência, e até legitimidade, à crise que o país atravessa. 

A contenda interna trabalhista começou há três meses com seis candidatos, que foram sendo eliminados – ou que desistiram – ao longo das suas várias etapas. Nas primeiras fases participaram deputados, eurodeputados, repartições do Labour por círculo eleitoral, sindicatos e organizações afiliadas. 

No final de Fevereiro a votação foi aberta aos cerca de 500 mil militantes do partido, que tiveram até esta quinta-feira – quase um mês e meio – para preencher e enviar o seu boletim de voto, com os nomes dos três candidatos ordenados por preferência.

“A lição séria que temos de retirar para o futuro é que uma eleição tão prolongada não traz benefícios a ninguém”, atirou Matheson.

Lamentos e reflexões estratégicas à parte, no sábado começa uma nova era para o Partido Trabalhista. E os desafios não podiam ser maiores, seja para Starmer, Long-Bailey ou Nandy. O partido atravessa uma das suas maiores crises internas. Quanto ao eleitorado que pretende reconquistar, vive num país que saltou directamente de um dos mais atribulados capítulos de agitação e social e política da sua história recente, à boleia do “Brexit”, para uma das maiores crises sanitárias das últimas décadas. 

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