Carteiros preocupados com risco de contágio na entrega das pensões

Cerca de três mil carteiros vão garantir a entrega em casa de 100 mil pensões. Juntas de freguesia queixam-se que os serviços postais que prestam às populações não são suficientemente remunerados.

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Os CTT pagam cerca de 370 mil pensões por mês Nelson Garrido

Os CTT lançaram no início deste mês uma operação alargada de entrega de pensões ao domicílio, no âmbito do pagamento de vales a 370 mil pensionistas nos próximos dias. Destes, cerca de 100 mil pensionistas receberão o dinheiro sem necessidade de sair de casa, limitando-se o risco de exposição de pessoas desta classe de risco na crise de saúde pública provocada pela covid-19.

Mas há receio entre os carteiros, alerta a Comissão de Trabalhadores (CT) dos CTT. Dos cerca de quatro mil carteiros da empresa, terão de estar envolvidos nesta operação cerca de três mil. Estes “podem ser os veículos de transmissão, ou serem eles próprios infectados”, disse ao PÚBLICO fonte da CT.

A entrega das pensões em casa obedece a regras e é nos minutos de interacção que residem os riscos, considera a CT. Os carteiros entram na casa das pessoas, que em muitos casos estão acamadas ou têm mobilidade reduzida, e têm de identificá-las. Os beneficiários têm de conferir o dinheiro e atestar o recebimento. “Bastam dois ou três minutos para que haja um contágio involuntário”, disse este representante dos trabalhadores.

A CT já propôs à empresa a alteração dos procedimentos de entrega das pensões neste período, de modo a permitir que, depois de o vale chegar às estações, o valor seja conferido por dois trabalhadores e colocado num sobrescrito introduzido nas caixas de correio.

A pessoa seria avisada e o carteiro esperaria para confirmar e registar o recebimento do envelope, evitando assim o contacto físico, explicou ao PÚBLICO.

O agravamento da crise sanitária tornou mais difíceis as condições de trabalho dos carteiros. Uma das soluções propostas pela CT à gestão dos Correios foi a de estabelecer o horário contínuo, para reduzir o tempo “que passam na rua”.

Especialmente numa altura em que a maioria dos estabelecimentos comerciais estão fechados e em que os carteiros ficam sem os seus pontos de apoio ao longo do dia de trabalho – “papelarias ou restaurantes”, por exemplo, onde deixam o chamado saco de apoio com parte da correspondência, “para não irem tão carregados a pé ou na mota”, ou onde podem almoçar ou usar a casa de banho.

E aqueles que estão abertos, também se mostram menos receptivos a fazer este “favor aos carteiros”. “Na zona de Famalicão há uma bomba da BP que continua a funcionar, mas o proprietário tem medo” do contágio “e recusa receber o saco”, exemplificou este membro da CT.

As queixas quanto às condições de trabalho não se esgotam aqui. As lojas “vão tendo” as luvas, as máscaras e os desinfectantes, mas esses materiais de protecção não chegam à maioria dos mais de 200 centros de distribuição do país, onde também não é assegurada uma limpeza profunda das instalações, garantiu este membro da CT.

A sobreposição de turnos nos centros é outra das preocupações. “Há trabalhadores que pegam às 21h e outros que pegam às 23h”, se houvesse “uma reorganização do trabalho”, além de não haver o contacto entre os dois grupos, essas duas horas poderiam ser “aproveitadas para limpar” os espaços, exemplificou.

Juntas pedem intervenção do Governo

Para assegurar o pagamento de pensões e reduzir os riscos de contágio e a afluência às lojas e postos nesta fase de mitigação da covid-19, os CTT decidiram, além da entrega em casa das pensões, antecipar a emissão dos vales, alargar o prazo de pagamentos e os horários das lojas (até 9 de Abril).

Mas o esforço junto das populações também envolve as centenas de juntas de freguesia que prestam serviços postais, no âmbito de um protocolo assinado em 2001 com a antiga empresa pública (sendo que as condições acordadas com os CTT não são iguais em todas as juntas).

Na terça-feira, o Ministério das Infraestruturas e da Habitação (MIH) anunciou que, ao abrigo do decreto do estado de emergência (entretanto prolongado até 17 de Abril), as juntas onde funcionam postos de correio deverão abrir ao público entre as 9h e as 12h.

O presidente da Associação Nacional de Freguesias (Anafre), Jorge Veloso, revelou que a Anafre já se tinha “antecipado” à comunicação do ministro e feito o pedido às juntas.

Dos cerca de 900 postos de correio que funcionam nas juntas, perto de 340 encerraram devido à pandemia, mas o autarca acredita que serão reabertos “quase na totalidade”, mesmo aqueles onde “as juntas só recebem dos CTT no final do mês uma comissão de 60 ou 70 euros”.

O autarca frisou que “é urgente” a renegociação do protocolo com os CTT e que “é preciso o envolvimento do Governo”, pois trata-se de um tema que se arrasta há anos. É um “assunto que tem de ser tratado ao nível da tutela [o MIH]” e que deve ser abordado nas negociações do novo contrato de serviço postal universal com a empresa, disse ao PÚBLICO.

As juntas querem que os CTT assegurem o salário dos funcionários que lá estiverem a garantir os serviços postais, cinco dias por semana, e nunca abaixo do salário mínimo (635 euros).

“O protocolo foi efectivado com base num IAS [indexante de apoios sociais], quando o IAS não chegava aos 400 euros [hoje são 438,81 euros], actualmente nem esse protocolo é cumprido”, disse Jorge Veloso. É impossível às juntas terem um funcionário ao serviço se o que recebem dos CTT são “200 ou 300 euros”, acrescentou.

É por situações dessas, em que não conseguem chegar a acordo com as autarquias, que os CTT acabam por estabelecer contratos com mercearias ou minimercados “que não prestam serviços de correio, só estão lá para receber facturas da água e electricidade”, afirmou o presidente da Anafre.

Como está, não pode continuar, defendeu. “Há a necessidade absoluta” de alcançar um acordo entre as juntas de freguesia e os CTT que permita “dignificar o serviço postal e servir as populações”.

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