Von der Leyen: próximo quadro plurianual “deve ser o nosso Plano Marshall”

A presidente da Comissão Europeia anunciou mais medidas de apoio para proteger o emprego e preservar a capacidade produtiva e o acesso aos mercados no fim da crise. Actual orçamento será usado até ao limite mas, para garantir a recuperação, o próximo quadro financeiro terá de ser ambicioso e focado no investimento.

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LUSA/FRANCOIS LENOIR / POOL

Todos os euros ainda disponíveis no actual orçamento da União Europeia vão ser canalizados para a resposta à crise do coronavírus, seja para sustentar as despesas acrescidas dos Estados membros com o sector da saúde, seja para apoiar os trabalhadores e as empresas afectadas pela paralisação da actividade económica, prometeu a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Mas como esse esforço não se vai esgotar num ano, será preciso reforçar substancialmente o próximo exercício plurianual para 2021-27 para promover a recuperação no fim da pandemia.

“Tem de ser esse o pilar central da nossa resposta. E tem que ter um sinal muito forte de investimento. Quando vários líderes falam na necessidade de um Plano Marshall para o coronavírus, penso que o próximo quadro financeiro plurianual deve ser o nosso Plano Marshall”, defendeu.

A presidente da Comissão Europeia garantiu esta quinta-feira que o executivo vai continuar a usar “todos os meios” à sua disposição, a “redireccionar todos os euros por usar no orçamento e a flexibilizar todas as regras para que esse financiamento possa fluir rapidamente para onde é mais preciso e pode ser mais eficaz”. Para tal, acabara de apresentar um projecto de orçamento rectificativo, que propõe a reorganização de parte das despesas da União Europeia para o ano de 2020, de forma a assegurar o financiamento de um novo Instrumento de Apoio de Emergência exclusivamente dedicado ao sector dos cuidados de saúde, no valor de 2,7 mil milhões de euros.

Outras iniciativas com o recurso ao orçamento existente, de que a Comissão deu conta numa comunicação enviada esta quinta-feira ao Parlamento, ao Conselho e aos diversos comités da União Europeia, passam pela flexibilização máxima dos critérios para que os Estados membros possam aceder aos fundos estruturais e de investimento disponíveis no actual quadro plurianual, cujo prazo termina este ano.

Por exemplo, a “Iniciativa de Investimento em Resposta ao Coronavírus”, que previa a reutilização de 37 mil milhões de verbas da política de coesão que ainda não tinham sido gastas pelos Estados membros, passou agora a incluir a palavra “Plus”. O instrumento foi alargado, para integrar o apoio a pescadores e agricultores, e aumentar a capacidade do fundo europeu de auxílio aos grupos mais vulneráveis da sociedade. E as regras para o acesso ao financiamento foram novamente simplificadas, libertando os projectos de resposta à crise do coronavírus da contrapartida nacional (permitindo que os países possam excepcionalmente obter 100% das verbas desses programas da política da coesão) e facilitando as transferências de recursos entre projectos e regiões.

No caso das pescas, a Comissão fez uma revisão das regras do Fundo Europeu para as Pescas para conceder apoios em caso de cessação temporária da actividade pesqueira, redução da produção da aquacultura ou dificuldades de armazenamento de pescado. Quanto ao apoio aos agricultores, a ideia é adiantar os pagamentos das ajudas directas produção e das verbas para o desenvolvimento rural no quadro da Política Agrícola Comum.

Maior resposta económica de sempre

Até ao momento, a UE já mobilizou 2,77 biliões de euros, mais de 2% do seu Produto Interno Bruto, “a maior resposta económica de sempre a uma crise europeia”, assinalou a líder do executivo comunitário numa conferência de imprensa de apresentação de um novo pacote de medidas de apoio, esta quinta-feira. Ursula von der Leyen reconheceu que depois de uma falsa partida, em que se multiplicaram acções unilaterais e descoordenadas, os membros da UE mostraram-se capazes de se organizar e concertar medidas sem precedentes “pela sua dimensão, abrangência e rapidez”, sublinhou.

Um exemplo, garantiu, foi a forma “positiva” como os chefes de Estado e governo reagiram à proposta da Comissão para a constituição do novo programa SURE para a preservação dos postos de trabalho e da capacidade produtiva, que foi formalizada esta quinta e será discutida — “e espero que adoptada”, pressionou Von der Leyen — na reunião do Eurogrupo agendada para a próxima terça-feira, 7 de Abril.

A presidente da Comissão descreveu o SURE como “um novo instrumento de solidariedade no valor de 100 mil milhões de euros”, e revelou que o seu desenho foi inspirado nos diversos esquemas de trabalho com horário parcial que foram introduzidos pelos países do Norte da Europa para assegurar o emprego durante a crise financeira de 2009.”Essa experiência foi muito positiva e ajudou-os a recuperar da crise de uma maneira muito forte”, observou.

Segundo explicou, o esquema do programa é o seguinte: a Comissão mobiliza nos mercados um “envelope robusto” de 100 mil milhões de euros, apoiado em garantias dos Estados membros, que poderão depois candidatar-se a empréstimos para financiar as suas medidas de apoio às empresas que salvaguardem o seu quadro de pessoal. “É uma maneira de preservar os postos de trabalho, de estabilizar a segurança social e garantir o consumo”, disse Von der Leyen.

Em declarações ao PÚBLICO, o vice-presidente executivo responsável pelo euro, Valdis Dombrovskis,​ confirmou a boa adesão e o apoio dos Estados membros a este novo programa que, apesar de ser acessível a todos, “não vai cobrir todos os países na mesma extensão”. O objectivo, disse, é permitir que os países se financiem em condições mais favoráveis — logo, o programa “será mais interessante para aqueles que se confrontam com custos mais elevados” no acesso ao mercado.

Apesar de incluir uma componente de garantia colectiva (uma cobertura de 25 mil milhões de euros avançada pelos Estados membros para que a Comissão possa financiar-se no mercado), o SURE não motivou um braço de ferro entre o Norte e o Sul da Europa — que além da questão da emissão conjunta de dívida, também não se entendem por exemplo em relação a um mecanismo europeu de resseguro de desemprego, que a Comissão está a estudar, adiantou Dombrovskis.

De certa maneira, o programa SURE “até pode ser encarado como um precursor” desse esquema  de resseguro, concedeu o vice-presidente executivo, que ainda assim apontou diferenças: “O SURE é um instrumento temporário de emergência, desenhado ao abrigo do artigo 122.º do Tratado de Funcionamento da UE, aberto a todos os países e não só aos que usam o euro”. Como distinguiu, trata-se de um instrumento de apoio para financiar as despesas dos Estados membros, que são quem vai determinar os contornos e o alcance dos seus respectivos esquemas temporários para a protecção do emprego.

Questionado sobre a possibilidade de estes empréstimos poderem penalizar as finanças públicas em termos de cálculo do défice orçamental quando terminar o actual regime excepcional, Dombrovskis não se mostrou preocupado, dizendo que a Comissão já está a contar com um aumento dos défices e dos níveis da dívida em função da despesa adicional que os países tiveram fazer por causa da pandemia.

“Para já activámos a cláusula de escape do Pacto de Estabilidade e Crescimento, o que quer dizer que actualmente não há limites quantitativos para o défice”, lembrou, acrescentando que ainda assim os países têm que continuar a ter em conta a sua sustentabilidade orçamental. Só quando a crise acabar será possível ter um retrato mais claro dos impactos nas contas nacionais, mas a Comissão não deixará de ter em conta a situação excepcional que se viveu “quando voltarmos à normalidade em termos das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento”, garantiu.

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