A nova temporada de La Casa de Papel é “uma digestão fácil em momentos difíceis”

Em Espanha, “está tudo parado”. Mas a quarta temporada da série-fenómeno da Netflix, em que a pandemia ainda não esvaziou as ruas de Madrid, estava pronta a sair e chega aos ecrãs esta sexta-feira.

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Tóquio (Úrsula Corberó) é a narradora da série Tamara Arranz Ramos/NETFLIX

A quarta temporada de La Casa de Papel – a continuação do assalto ao Banco de Espanha interrompido em Julho – chega à Netflix esta sexta-feira, numa altura complicada para o povo espanhol. “É muito estranho estrear a série nestas circunstâncias”, conta ao PÚBLICO o criador, Álex Pina, por videochamada. A data já estava definida há meses, diz, e La Casa de Papel pode agora entreter os milhares que estão em quarentena pelo mundo. “Acredito que possa ser uma janela de esperança ou, pelo menos, que permita uma digestão fácil em momentos tão difíceis. Que as pessoas se libertem em casa e que as consigamos entreter, porque isto está a ser mesmo muito complicado.”

Espanha, o país de Álex Pina, contabiliza já mais de dez mil mortes e 100 mil pessoas infectadas com o novo coronavírus. A actriz Itziar Ituño – uma das protagonistas, que começou por ser a inspectora Murillo e tem agora o nome de código Lisboa – confirmou nas redes sociais que tinha sido diagnosticada com covid-19. “Ela está bem, teve sintomas leves. A maior preocupação foi com os seus pais e família, porque tinha estado com eles quando ainda estava assintomática”, revela o criador, que tem mantido o contacto com a actriz.

Não descurando as perdas humanas e económicas, toda a indústria cinematográfica está em pausa. “Está tudo parado. Isto parou o país, parámos de gravar há dez dias [agora 18] a série Sky Rojo, está a afectar toda a produção espanhola”, conta Álex Pina. “É global e não sei quando voltaremos a arrancar nem como.” Com parte do mundo em quarentena sem fim à vista, os criadores não podem ainda confirmar se haverá uma quinta temporada de La Casa de Papel.

Uma temporada de extremos

Os bandidos de La Casa de Papel não são temidos – antes adorados, enquanto símbolo de resistência – e o tempo que lhes é dedicado no ecrã ajuda a perceber o que os conduz ao crime. Mas a quarta temporada da série começa em clímax: o grupo de assaltantes outrora inofensivo faz explodir um tanque da polícia; a assaltante Nairobi vê-se às portas da morte depois de ser atingida por uma bala; e o Professor, regente de todo o assalto, crê que a sua amada foi executada e começa a perder o controlo. “É uma guerra”, resumia o Professor nas últimas palavras da terceira temporada. E, tal como numa guerra, “as fronteiras entre o certo e o errado desabam”, reconhece o argumentista Javier Gómez, também ao leme da produção da série, considerando que esta é uma temporada de “amadurecimento”.

Álex Pina concorda: “Creio que é também a temporada mais extrema que fizemos. E isto numa série em que já somos muito extremos e vamos até ao limite.” Descreve-a como um “puzzle de tempo e de emoções”, um emaranhado narrativo em que tudo tem de bater certo, sempre com espaço para a surpresa. O que é trabalhoso. “A narrativa é muito complexa”, diz o também criador Jesús Colmenar. “Dez minutos de La Casa de Papel correspondem a horas de montagem. E vamos reafinando, reafinando, reafinando. Temos de deixar tudo muito claro para que o espectador possa viajar e saltar de um extremo emocional para o outro sem o estranhar.”

A série estreou-se nos ecrãs da estação espanhola Antena 3 em Maio de 2017 e só no final desse ano entrou para o catálogo da Netflix. A segunda parte chegou em Abril de 2018, a terceira em Julho de 2019. O encanto já não é o mesmo – ainda que o potencial de binge-watch permaneça – e La Casa de Papel certamente não teria tido tanta continuidade se não fosse pelo fenómeno Netflix, garantem os seus criadores. “A série estava acabada, encerrada na televisão generalista, que foi quem verdadeiramente apostou nela e num género que lá não existia”, reconhece Álex Pina. “Mas a Netflix pôs La Casa de Papel numa centena de países e, da nossa pequena Madrid, passámos a poder competir directamente com Los Angeles.”

A série trespassou até para os livros: em Fevereiro, foi lançado um volume interactivo, A Casa de Papel – O Diário do Professor, publicado em Portugal pela Planeta Editora. E nesta mesma sexta-feira estreia-se também na Netflix o documentário La Casa de Papel: El Fenómeno, sobre a forma como a série calcorreou o planeta e os seus ladrões de fatos-macaco vermelhos e máscaras de Salvador Dalí se converteram num símbolo de oposição usado em manifestações um pouco por todo o mundo – da Argentina à Turquia ou ao Líbano.

O mérito de esta ser a série não falada em inglês mais vista da Netflix é também dos espectadores. “Houve quem se identificasse com estas situações complicadas do ponto de vista sociopolítico e com a falta de esperança nos governos e nos bancos centrais”, diz Álex Pina. Foi o “cepticismo que estava escondido no coração de muita gente que passa dificuldades”, argumenta, que fez da série mais do que um mero produto de entretenimento. 

Ninguém esperava tamanho sucesso, admite Jesús Colmenar: “Resultou unicamente do passa-palavra, foi espontâneo. E isso é o mais bonito: foi o próprio espectador que converteu a série naquilo que ela é hoje.”

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