Governo prepara novas previsões orçamentais sem saber até onde cai o PIB

Executivo tem de enviar para Bruxelas até 15 de Abril o Programa de Estabilidade. Até lá, a informação sobre o impacto da crise sanitária na economia é parca. Mudanças no calendário europeu não são vistas como impossíveis.

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Ministério de Mário Centeno considera que prazos actuais deixaram de fazer sentido LUSA/TIAGO PETINGA

As regras europeias impõem que os países enviem o Programa de Estabilidade para Bruxelas até 15 de Abril. Mas até lá, o Governo não terá dados suficientes para apresentar um cenário macroeconómico tão robusto como o desejável e com aderência à nova realidade. Se o calendário não mudar, o novo cenário macroeconómico arrisca-se a ser feito em modo de navegação à vista. Por isso, uma alteração nos prazos da Comissão Europeia seria bem recebida pela equipa do Ministério das Finanças. 

O Governo já admitiu que este ano a economia se vai contrair e o excedente orçamental, que se antecipava para 2020, já é uma miragem. É certo que Mário Centeno tem folgas no Orçamento do Estado que foi publicado nesta quarta-feira em Diário da República, mas no executivo antecipa-se um impacto significativo da pandemia de covid-19 na economia. Só não se sabe quanto. 

O Programa de Estabilidade é usado para lançar o Orçamento do Estado do ano seguinte - 2021, no caso - e contém um conjunto de previsões orçamentais como o défice e a dívida pública, bem como o esforço efectivo de consolidação orçamental dos países medido através da evolução do saldo estrutural. Na base destas previsões está o andamento da economia e do mercado de trabalho. 

Para se perceber qual a mossa nas contas públicas, “primeiro é preciso saber qual o ponto de partida: até onde a economia desce e até quando vai estar a descer”, desabafava uma fonte do executivo ao PÚBLICO. 

E esse impacto não se consegue medir até 15 de Abril. Até essa data não há indicadores suficientes publicados que dêem uma imagem nítida do que está a acontecer. 

António Costa avisou na semana passada que Portugal tem pela frente “três meses muito duros”. As primeiras medidas de isolamento social - como o fecho das escolas - entraram em vigor a 16 de Março. Portanto, esse será o primeiro mês em que os indicadores começam a acusar os efeitos da pandemia. Depois, começaram os encerramentos de lojas, fábricas e empresas, ficando os serviços essenciais a funcionar.

Um antigo responsável governamental explica ao PÚBLICO quais são as variáveis chave que têm de estar disponíveis aquando da elaboração do Programa de Estabilidade: o crescimento do PIB e a sua composição (se é mais exportações, investimento ou consumo das famílias) e a taxa de desemprego. A primeira é decisiva para antecipar como evoluem evoluem as receitas fiscais do Estado e a segunda é essencial para perceber como fica a conta da Segurança Social.

Ora a evolução do PIB que já terá informação de Março (mas não só - terá também Janeiro e Fevereiro) só será divulgada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) a 15 de Maio. O PIB sobre o segundo trimestre - no qual o impacto da pandemia na economia será mais evidente - só fica disponível em Agosto. 

Quanto ao desemprego, a 29 de Abril, o INE publica a taxa provisória de desemprego para Março. 

Uma primeira medida do impacto nas contas pública pode ser conhecida no final de Abril, quando a Direcção-Geral do Orçamento publicar o boletim de Março.

A parca informação existente à data de entrega do Programa de Estabilidade é motivo para que no Ministério das Finanças se considere lógico que, nas actuais circunstâncias, aquele prazo não faz sentido. No executivo existe a expectativa de que algo possa mudar em matéria de prazos. Informações transmitidas ao PÚBLICO por fontes europeias também permitem não afastar essa possibilidade, já que a Comissão terá apresentado uma proposta de simplificação para ser discutida rapidamente no Comité Económico e Financeiro. Ou seja, por agora, o calendário não se alterou, mas não é impossível que isso aconteça. Para já, avançou a flexibilização nas regras, com Bruxelas a deixar cair o limite de 3% do PIB no défice.

Nesta altura o Governo tem ao seu dispor as previsões do Banco de Portugal e da Católica (as duas têm já cenários com a pandemia) e os sinais de instituições internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Central Europeu (BCE). Todos a apontar no mesmo sentido: o embate vai ser forte.

Com as pessoas em casa e grande parte da actividade económica encerrada, esta crise revela-se diferente das anteriores, já que há um problema de procura (com a redução do consumo) e, ao mesmo tempo, de oferta (com uma quebra na produção). Isto, somado ao facto de ser uma crise sincronizada (está a acontecer no mundo todo) - o que elimina as bóias de salvação das economias (nos últimos anos o turismo e as exportações) - faz com que a crise seja vista como tendo contornos únicos. E, portanto, difícil de antecipar que impactos terá na economia e nas contas públicas.

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