Diário de um advogado: manter as rotinas e lutar contra a ociosidade física e mental

Testemunho de Paulo Edson Cunha, advogado. “Tenho verificado que os meus clientes me abordam muito sobre contratos de trabalho, de empreitadas, de arrendamento, mas sobretudo sobre o cumprimento dos acordos de responsabilidades parentais, que não estão preparados para estas situações de excepção e exigem muito bom senso, que nem sempre existe.”

Levanto-me às 8h30. Procuro notícias do país e do mundo e, enquanto não sei da minha mãe e avó, não descanso o espírito.

Segue-se meia hora de alongamentos, abdominais, seguido naturalmente de um retemperador duche e de um revigorante pequeno-almoço.

Pelas 10h começo uma visita pelo Citius, pelo email institucional, pelo email do escritório.

Antes de dar sequência ao expediente do dia (peças processuais, requerimentos, ofícios, cartas, respostas a emails, institucionais ou pedidos de clientes) inicio uma visita ao escritório onde exerço com uma colega e uma solicitadora.

Feito o passeio higiénico ao escritório, onde vou buscar os processos do dia, regresso a casa (a pé pois dista 15 minutos por esse meio) e inicio o trabalho como se de um dia normal de trabalho se tratasse.

Tenho verificado que os meus clientes me abordam muito sobre contratos de trabalho, de empreitadas, de arrendamento, mas sobretudo sobre o cumprimento dos acordos de responsabilidades parentais, que não estão preparados para estas situações de excepção e exigem muito bom senso, que nem sempre existe.

As consultas, normalmente pequenas dúvidas, passaram a ser dadas por telefone, Facebook ou email.

Os advogados, ao contrário de outras actividades, quando não trabalham não têm clientes, ou quando estes não pagam não têm qualquer apoio social. Neste momento, a maioria dos advogados fica privada em termos de oficiosas (que eu não faço), ou de clientes (temos os escritório fechados e os clientes não têm dinheiro) ou até sem diligências (logo, o fim dos processos fica adiado; logo, os honorários também), mas as nossas despesas fixas mantêm-se — as rendas dos escritórios, Internet, electricidade, funcionários, impostos, compromissos anteriormente assumidos, etc.) e não teremos qualquer ajuda, nem sequer para quando ficamos em casa a acompanhar os filhos, como qualquer trabalhador ou até os outros profissionais liberais têm.

Pior, enquanto todos os sectores da sociedade têm permitido uma moratória para pagar a sua segurança social, a nossa caixa de previdência (CPAS) não o tem permitido, logo, temos de pagar um mínimo de 251 euros/mês sem qualquer perdão, suspensão ou interesse na nossa situação. E há milhares de colegas estrangulados com prestações em atraso e em situação muito precária, por isso era importante a direcção da CPAS ser sensível ao nosso momento e dar-nos uma moratória, o período de carência de pelo menos três meses sob pena de acabar com a carreira de muitos advogados. Eu estou à vontade porque quero realçar que tenho as minhas quotas pagas, mas estou a liderar um movimento juntamente com oito advogados do Seixal, ao qual se juntaram centenas de solicitadores e agentes de execução, em que apelamos a todos os colegas que não paguem mais (só assim negociarão connosco). Deixo-vos o endereço electrónico, é https://www.facebook.com/groups/678562539558073/, e convido todos os advogados, solicitadores e agentes de execução a aderirem.

Estamos a preparar outras formas de luta, para além do não-pagamento em massa, como intentarmos uma intimação judicial, para além de estarmos a preparar uma assembleia extraordinária da própria CPAS.

No dia que vos estou a descrever ainda fui atender um cliente que precisava de um reconhecimento presencial para celebrar um negócio, mas foi muito estranho. Respeitámos uma distância entre nós nos cumprimentos e depois atendi-o, com ele na recepção e eu no gabinete.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários