Doentes crónicos em tempos de covid-19

Hoje, mediante a crise pandémica, a generalidade dos meios foi alocada ao combate direto e indireto à covid-19. Se a atenção assistencial se centra agora, e bem, na luta contra este mal agudo, não sobra para atender às doenças crónicas como é desejável e exigível. Urge encontrar respostas.

Pode parecer estranho e até um atrevimento que, perante esta pandemia ameaçadora, traiçoeira e medonha, alguém, médico há mais de 40 anos, venha falar de doenças crónicas e das dificuldades e perigos que milhões de pessoas vão enfrentar nos próximos tempos.

As doenças crónicas têm múltiplas causas, longa duração e evolução gradual e incerta. Exigem cuidados continuados mais ou menos complexos e, na maioria dos casos, não têm cura. Surgem, sobretudo, com o avançar da idade, sendo que mais de um terço das pessoas após os 65 anos tem, pelo menos, duas doenças crónicas. Falamos, por exemplo, de diabetes, hipertensão, grande parte das doenças cardio e cérebro-vasculares, reumáticas, respiratórias, mentais, neurológicas, nefrológicas, oncológicas e de outros órgãos e sistemas.

Além de serem a principal causa de morte, estas doenças representam, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, um enorme impacto socioeconómico e um volume de despesa com a saúde de grande dimensão. Estes elevadíssimos gastos económicos resultam dos custos diretos e indiretos com a(s) doença(s), do absentismo e das reformas antecipadas.

As doenças crónicas são responsáveis por mais de 80% da carga assistencial dos cuidados de saúde primários, pela maioria dos internamentos hospitalares e por grande parte dos episódios de urgência, sendo-lhes os cuidados continuados quase totalmente dedicados.

Em condições normais, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e os setores privado e social colocam a maioria dos seus recursos humanos, físicos, técnicos e financeiros – ao serviço dos doentes crónicos. Hoje, mediante a crise pandémica, a generalidade dos meios foi alocada ao combate direto e indireto à covid-19. Se a atenção assistencial se centra agora, e bem, na luta contra este mal agudo, não sobra para atender às doenças crónicas como é desejável e exigível. Urge encontrar respostas.

Desde logo, deveria ser criada uma outra linha da frente, com médicos e enfermeiros, para prevenir o agravamento das pessoas com doença crónica, a qual, centrada nos cuidados de saúde primários, ativaria, sempre que necessário, a ligação aos hospitais de referência de cada especialidade, por região e/ou localidade.

Fazendo uso da tecnologia e das telecomunicações, cujo papel tem sido fundamental atualmente, o acompanhamento destes doentes tem de continuar a ser feito, mesmo quando não for possível a consulta presencial. E aqui refiro-me também ao receituário, que pode ser enviado através de um telemóvel ou por correio.

E por que não a criação de uma linha telefónica idêntica à linha SNS24, mas exclusiva para portadores de doença crónica? Através dela seria possível esclarecer dúvidas e responder às necessidades destes doentes. Para isso, poderíamos contar com os alunos finalistas dos cursos de Medicina do país, que se têm voluntariado para apoiar o SNS neste combate à covid-19.

Também a comunicação social poderia ter aqui um papel ativo na promoção de conteúdos que sensibilizem os doentes crónicos para a adoção de cuidados essenciais, adesão à terapêutica e prevenção de fatores de risco.

Só assim poderemos garantir que, ultrapassada a pandemia, não nos deparamos com um outro pico de grande morbilidade e mortalidade, devido à carência assistencial dos nossos doentes crónicos. Num momento de incertezas, preparar o futuro é o grande trunfo que temos à nossa disposição.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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